Muito se fala nas empresas a respeito da importância e do quanto é requerido para que os indivíduos busquem a excelência em suas carreiras. Entretanto, a partir de minhas recentes experiências no doutorado com os estudos neste campo, percebo certa banalização do termo. Vejo que frases soltas envolvendo “a busca pela excelência” configura quase uma espécie de jargão, direcionando as pessoas e organizações a uma compreensão simplista sobre o tema. Aproveito a oportunidade para compartilhar um pouco mais sobre meus aprendizados envolvendo a excelência no contexto da realidade humana.
Na década de 1960 autores já pesquisavam a respeito do desempenho excelente. Eles buscavam avaliar o impacto do treinamento no desenvolvimento dos processos cognitivos em indivíduos de alto talento, considerando a identificação das causas que explicassem as diferenças no desempenho de novatos e especialistas. Esses estudos apresentaram a conclusão que as pessoas com prática intensa demonstravam maior desempenho nas atividades que dominavam. A partir daí, ao final da década de 1990, por meio dos estudos do autor Karl Anders Ericsson, surge o conceito “prática deliberada”. Esse pensamento defendia a relação entre o nível de desempenho de determinadas atividades e a quantidade de anos que os indivíduos dedicavam à prática de suas atividades. Ou seja, o rendimento superior estaria mais relacionado à prática intensa ou à chamada “prática deliberada”.
A um primeiro olhar essa conclusão parece um tanto óbvia. No entanto, em estudos mais profundos, surgiram outros fatores importantes, exigindo um olhar mais cuidadoso a respeito do tema. Afinal, encontramos nas organizações, muitas pessoas que realizam de forma intensa suas atividades, por anos à fio, e nem por isso são percebidas como excelentes, não é mesmo? Mas o que Ericsson denominou como “prática deliberada” ultrapassa o esforço envolvido na melhoria dos níveis atuais de desempenho. Segundo ele, o resultado superior é alcançado quando ocorre, ao longo da prática, a demonstração das seguintes características: a concentração absoluta, a descoberta de estratégias efetivas para a solução de problemas e o aprimoramento das formas de desempenhar as tarefas.
Para outros autores, a excelência depende também da sistematização da aprendizagem e do desempenho, sendo importante a utilização dos chamados processos regulatórios como a autoinstrução, a automonitoração, a atenção dirigida para objetivos e a consideração do feedback sistemático.
Para Barry J. Zimmerman, por exemplo, as pessoas consideradas peritas se distinguiriam dos considerados não peritos ou experts, pelos seguintes motivos:
- Apresentam níveis mais elevados de automotivação e capacidade em definir objetivos realistas para si próprios, através do estabelecimento de pequenas metas a atingir ao longo do processo;
- Planejam a sua aprendizagem através de várias estratégias e observação aos seus efeitos nos resultados obtidos;
- Avaliam o seu desempenho, em função dos objetivos a que se propuseram, focando-se nas estratégias ou métodos que utilizaram.
Entretanto, não podemos nos esquecer das características e traços inatos. Por exemplo, por mais que eu me dedique, provavelmente não alcançarei a excelência no jogo de basquete. Além de não demonstrar talento na prática dos esportes, minha altura é um entrave para ser considerada um destaque nesta modalidade esportiva. Para meu alívio, os estudos de Ericsson apontam que somente os determinantes físicos (por exemplo, a altura) e o talento inato (relacionado a motivação e ao envolvimento na prática deliberada, já que nem todos os indivíduos serão capazes ou terão disposição para o fazer), é que podem limitar o alcance da excelência. Portanto, segundo o autor, quando as pessoas possuem a adequação física, são devidamente treinadas, dispostas e envolvidas no trabalho duro elas podem alcançar a excelência.
Acredito também que o desenvolvimento genuíno de competências requer luta, sacrifício, honestidade e auto avaliação, prática muitas vezes dolorosa. Não existem atalhos facilitadores para alcançar a expertise, leva-se, pelo menos, uma década. A pessoa que deseja se destacar, terá de investir seu tempo com sabedoria, envolvendo-se na prática deliberada e concentrando-se em tarefas exigentes, que nem sempre são confortáveis: pergunte à bailarina excelente, se seus pés doem ou a um ginasta olímpico se sente cansaço?
Outro ponto muito importante, apresentado pelos autores da excelência, envolve a figura e o impacto de um bom treinador na formação da pessoa. Quando o mentor é bem informado, não somente para guiar a prática deliberada, mas também para ajudar na aprendizagem e treino, haverá maior facilidade no alcance dos resultados superiores.
Levando essa análise para o mundo corporativo, percebo como um verdadeiro diferencial competitivo a organização que valoriza e se preocupa com a identificação de lideranças bem capacitadas, motivadas e preparadas para atuarem como exímios treinadores de suas equipes. Mas esse assunto envolve questões que renderia outro artigo…
Se pretendemos obter a melhoria significativa e o desempenho excelente não podemos esperar “toques de mágica”. Precisamos estar dispostos para o treino consciente e direcionados aos seguintes pontos:
- Definir bem o objetivo pretendido para a tarefa a ser desenvolvida;
- Buscar a motivação para melhorar a realização;
- Criar uma sistemática de feedbacks, envolvendo o desempenho alcançado;
- Possibilitar amplas oportunidades para repetição e aperfeiçoamentos graduais;
- Procurar concentrar-se totalmente nas atividades;
- Buscar o uso dos melhores métodos para realizar as tarefas;
- Ter consciência que para o desempenho superior é necessário um processo de aprendizagem ativa por muito tempo, tendo em vista a necessidade de refinar suas habilidades e competências.
Agora compreendemos porque pessoas excelentes são raras nas organizações e na sociedade. Mas se você pretende ser percebido e valorizado dessa forma, comece já! Afinal, como já disse Karl Anders Ericsson, a excelência é alcançada quando o indivíduo se propõe à prática deliberada e estando disposto a se dedicar por pelo menos 10 mil horas! Sucesso e bom trabalho para todos!
*Por Virgínia Gherard – consultora, professora, palestrante e diretora da ABRH-MG.