“A linguagem é uma fonte de mal entendidos”, disse a raposa. O trecho de Antoine de Saint-Exupéri, autor do livro O Pequeno Príncipe, consta de uma conversa entre a raposa e uma criança, no capítulo XXI da obra, mas também serve de lição para nós, os adultos.
Como adultos, conseguimos criar e assimilar diferentes formas de linguagem – e até mesmo de não linguagem. Esta, que nos propõe o silêncio, vem sendo valorizada e praticada por meio da meditação, buscando a total limpeza das informações recebidas. Passa, assim, a ser uma ferramenta para equilibrarmos e reprogramarmos a mente e uma verdadeira ajuda para nos comunicar melhor.
São inúmeras as formas de linguagem. Vivemos numa época de sobreposição de valores e de conhecimentos. Desprezamos o que ontem tinha muito valor e somos pressionados a praticar o desapego diariamente. Entendemos que nossas verdades são provisórias. A forma como nos comunicávamos mudou, e é necessário estar disposto a compreender as novas e as mais modernas maneiras de interação surgidas, como a robótica, a cibernética, a não verbal – e até mesmo o próprio silêncio, conforme mencionado –, além de tantas outras ainda não decifradas.
Realizamos um grande esforço para evitar os problemas oriundos da linguagem inadequada e dos ruídos na comunicação. E, aqui, podemos ir além da raposa: a linguagem pode ser uma fonte de grandes problemas. A vaidade na comunicação – com o uso excessivo de jargões, de estrangeirismos, de neologismos, de vocabulário rebuscado em excesso – tem levado a consequências não esperadas e causado danos muito menos desejados, impondo distâncias entre o autor da mensagem e seu destinatário. Não é necessário muita expressão para sermos mal compreendidos ou mal interpretados.
Com o propósito de amenizar essa distância, a comunicação não violenta surge como um novo remédio para os problemas da linguagem, propondo que nos expressemos de forma empática, não competitiva, não classificatória e fluida, de modo que todos os interlocutores envolvidos recebam e enviem suas mensagens, sem qualquer interferência. Por meio dela, aumentamos as chances de alcançarmos o próximo e de sermos bem interpretados como desejamos. E, ao abdicarmos da linguagem vaidosa, geralmente prolixa e não fluida, nós também podemos ser mais neutros – quando adequado –, mais simples, concisos e objetivos. Ao sermos autênticos e isentos de vaidades, temos a oportunidade de vivenciar a linguagem como o reflexo de nossa alma.
Usar filtros e exercitar a mente para que não se causem faíscas na interação com o próximo é uma boa opção para começarmos a por em prática os preceitos da comunicação não violenta. E sempre vale a pena nos lembrar de que, no mesmo capítulo XXI de O Pequeno Príncipe, a raposa também diz: “Os homens têm fuzis e caçam. Eu não posso brincar contigo”. Esses fuzis podem assumir várias formas, inclusive a de palavras.
Compartilho aqui uma de minhas poesias preferidas, de autoria de Manoel de Barros, que também aborda a linguagem:
“A maior riqueza do homem é sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras me aceitam como sou – eu aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,
que aponta o lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso em renovar o mundo usando borboletas”.
Por: Luciano Martins Caldeira – Sócio fundador da Trends Language Solutions.