Como a pressão pela perfeição impacta o desenvolvimento profissional?
Eu poderia ter feito melhor: dizia uma voz interior nos longínquos tempos da faculdade. Insistente, essa voz se repetia, em uma intensidade cada vez maior, nas primeiras experiências profissionais. E ela não se calou nem diante da árdua conquista de um cargo de liderança. Não é para menos: em um ambiente altamente competitivo, todo esforço é pouco perto de talentos excepcionais.
Apesar de ilustrativa, a cena é uma realidade na vida de um número crescente de profissionais que, ao mirar em performances grandiosas, caem nas armadilhas do perfeccionismo. Segundo o pesquisador da Business London School, Thomas Curran, um dos maiores estudiosos do tema, nos últimos 30 anos houve um aumento de 40% no perfeccionismo socialmente prescrito – condição de uma pessoa excessivamente vigilante sobre seu desempenho, em especial comparado ao outro.
Embora o perfeccionismo tenha aumentado, os estudos não apontam que ele esteja relacionado com melhorias no desenvolvimento profissional ou resultados para empresas, como corrobora pesquisas recentes das Universidades York St. John e Bath, no Reino Unido. Segundo os dados, a pressão pela perfeição não tem motivado o sucesso, pelo contrário, está contribuindo para os altos índices de adoecimento mental, estresse, ansiedade e depressão.
O medo de não parecer perfeito
Por mais que a ideia em torno do perfeccionismo venha sendo alvo de debates, boa parte dos ambientes profissionais não só o aceita, como o considera positivo. É ainda muito comum que candidatos a uma vaga o cite como autoelogio disfarçado de defeito (por mais clichê que isso pareça). Esse fato é explicado por questões históricas: por muito tempo relacionamos perfeccionismo a altos padrões de entrega, motivação e disciplina. Mas é importante compreender que essas características se diferem da perfeição por um motivo simples: elas são possíveis.
Já o perfeccionismo não estabelece padrões altos. Ele estabelece padrões irreais – compreende que o fracasso ao tentar alcançar uma meta, mesmo sabendo que seria praticamente impossível, é sinal de fraqueza em vários âmbitos da vida. Condição que leva muitas pessoas a desistirem de seus objetivos, as impede de criar, de tentar fazer diferente, pois o medo de não parecer perfeito é muito maior que a vontade de tentar.
Qual a origem?
Há diversos estudos que relacionam o perfeccionismo a cobranças excessivas na infância: o que gera tensão, medo de desaprovação e limitação da criatividade. De acordo com a pesquisa britânica, esse é um fenômeno que tomou uma maior dimensão nos dias de hoje – os atuais universitários são muito mais propensos ao perfeccionismo que os estudantes das décadas de 1990 e 2000.
Ainda segundo os estudos, essa cultura do perfeccionismo na infância pode ser entendida como um reflexo do excesso de cobrança que os próprios pais colocam em si mesmos, para que alcancem cada vez mais. Se a ideia de realização é baseada em conquistas, a falha é supervalorizada e, em muitas vezes, inaceitável.
A necessidade de aprovação social
O crescimento da devoção às performances excepcionais também é explicada pela ascensão das redes sociais e seu uso excessivo. Segundo a Hootsuite e We Are Social, o Brasil é o 3º país que mais consome redes sociais no mundo. São, em média, 3h41 por dia. Mesmo sabendo que a vida perfeita das redes sociais não existe, uma infinidade de pessoas é incitada a julgar o próprio valor baseada em comparações ou pela quantidade de likes que um colega recebeu.
Não que a necessidade de aprovação social seja uma novidade. Pelo contrário, ela existe desde sempre. A diferença é a dimensão que essa pressão por parecer perfeito tomou com o demasiado uso das redes sociais. De acordo com a mesma pesquisa, a presença em ambientes virtuais tem gerado sentimentos de inadequação, ansiedade e levado muitas pessoas a não se considerarem boas o bastante – o que extrapola o campo da aparência física e envolve as performances profissionais.
Mulheres sofrem mais pressão pela perfeição
A pressão pela perfeição estética, que atinge mais de 70% das mulheres, tem seus ecos em diversos papéis sociais femininos. Delas são cobrados o cuidado, a compreensão, a dedicação ao realizar toda e qualquer tarefa em suas diversas jornadas de trabalho. Não por acaso, o perfeccionismo e a necessidade delas terem que fazer muito mais e melhor estão não só no imaginário das mulheres, mas em boa parte dos ambientes de trabalho e, também, em casa.
Prova disso é que para chegarem à liderança elas têm que enfrentar muito mais barreiras – não só na empresa, mas em sua rotina familiar. Elas são mais testadas e questionadas quanto à competência, lideram os índices de microagressões (como ser silenciada ou constrangida), sem contar a disparidade salarial (a remuneração média dos homens é 25% maior). Esses são alguns fatores que explicam o motivo delas ocuparem apenas 29% das lideranças nas empresas brasileiras, como mostra a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Grandes feitos são exceção
É preciso tratar as coisas grandiosas como elas são: exceção. Por mais performances extraordinárias que você tenha visto no Linkedin, essa não é uma realidade para a grande maioria, tampouco é um pré-requisito para o crescimento profissional e pessoal. A perfeição, como já esclarecemos neste artigo, é desumana e inalcançável. As pessoas falham, têm altos e baixos, e nem sempre conseguem superar as expectativas.
O medo de errar, ou de não parecer bom o suficiente, não pode sobrepor a vontade de tentar – essa é a conclusão das diversas pesquisas usadas neste artigo. Ao invés de focar no que não está agradando, invista tempo na identificação e desenvolvimento dos seus pontos positivos. Compreender a sua potência e se dedicar a desenvolver cada um deles, é uma das formas mais seguras de se proteger contra a depressão e a ansiedade. Assumindo essa nova postura, aos poucos a voz interior que teima em te colocar para baixo dará lugar a pensamentos de incentivo, orgulho e autoconfiança.