“Quero incentivar a observação ao desafiar as pessoas a pensarem”
A trajetória do argentino Leandro Erlich, um dos principais artistas contemporâneos do mundo
Já pensou em olhar para o espelho e não ver o próprio reflexo? Ou, que tal, mergulhar numa piscina sem se molhar? Tudo isso é possível por meio da arte de Leandro Erlich. O argentino, considerado um dos mais talentosos artistas contemporâneos do mundo, mexe com a percepção do público ao tirá-lo, literalmente, do lugar-comum e deslocá-lo para espaços extraordinários.
Não entendeu? Explicamos melhor. Por meio de obras que simulam espaços e artefatos da vida real como janelas de casa ou de um avião, salas de aula, piscina, salão de beleza, entre outros, ele recria o “normal” para além de sua utilidade. É um trabalho que intriga, provoca e ao mesmo tempo chama atenção para o cotidiano, para detalhes tão importantes do dia a dia e que muitas vezes passam despercebidos.
Apesar de receber a alcunha de “ilusionista da arte”, ele não quer enganar o público. Pelo contrário, “quero incentivar a observação, a atenção, ao desafiar as pessoas a pensarem, entenderem e descobrirem os artifícios usados em cada obra”, disse ele com sua habitual tranquilidade durante a abertura da exposição “A Tensão”, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Belo Horizonte. A capital mineira foi a primeira cidade brasileira a receber a mostra com 20 de suas obras realizadas nos últimos 25 anos. A partir do ano que vem, a exposição segue para os CCBBs do Rio de Janeiro (05/01 a 07/03/22) e São Paulo (13/04 a 20/06/22).
A atenção na vida pessoal e profissional
“Para onde vai o seu olhar?” Essa é uma questão que permeia o trabalho de Erlich desde o final dos anos 1990, época em que iniciou projetos no campo da arte de objetos e instalações de grande porte. E cá para nós, essa é uma reflexão que tem se tornado cada vez mais pertinente em tempos de tantos excessos.
Ao jogar luz sobre o que é considerado “banal”, ele nos apresenta a novos horizontes, ressignifica a vida cotidiana e ainda instiga uma reflexão mais ampla sobre o ser humano, a sociedade e até a nossa forma de racionalizar – “o que seus olhos enxergam é sempre coerente com o que a sua cabeça diz?”, questiona.
Segundo ele, tudo na vida é uma construção – nossos valores, forma de trabalhar, de enxergar o outro e de enxergar o mundo são construções socioculturais. Tendo isso em mente, é possível compreender que a realidade é uma construção da qual fazemos parte e cabe a nós mudá-la – como ele faz por meio de sua obra ao nos convidar a observar mais, a ouvir mais, a compreender mais.
“O trabalho árduo é o herói não celebrado de qualquer processo criativo”
A frase, de Will Gompertz, editor de arte da BBC, ilustra muito bem o trabalho de Leandro Erlich e de tantos outros artistas. Engana-se quem enxerga a arte como apenas um dom. Sem trabalho duro, nenhum talento artístico, por mais brilhante que seja, tem longevidade – é importante lembrar que o mercado artístico é um setor extremamente competitivo.
Leandro Erlich nasceu em Buenos Aires em 1973. Começou a estudar filosofia e migrou para o estudo de belas artes, iniciando sua carreira artística aos 20 anos. No final dos anos 1990, ele participou do Programa de Residência do Museu de Belas Artes da Glassell School of Art, em Houston, nos EUA. Em seguida, mudou-se para Nova York, onde fez sua primeira mostra em uma galeria comercial. Foi nessa época que ele começou a chamar atenção do mundo da arte, a demonstrar o estranho em sua obra. Dificilmente alguém saia ileso de suas exposições. E tudo isso é fruto de um trabalho intenso de pesquisa, experimentos e de um pensar incessante.
Filho e irmão de arquitetos, são notórias suas referências e estudos na arquitetura. Mas ele conta que também tem fortes influências do cinema e da literatura, sobretudo a obra do seu compatriota argentino Jorge Luis Borges, um dos mais aclamados escritores do mundo. Já no cinema, ele cita o trabalho de Alfred Hitchcock, Roman Polanski, Luis Buñuel e David Lynch – além do brilhantismo, os cineastas são importantes inspirações por usarem com maestria o cotidiano como palco para a criação de um mundo ficcional e desconsertante.
Trajetória pelos principais museus do mundo
Em 2001 Leandro Erlich foi escolhido, dentre centenas de artistas, para representar a Argentina na 49ª Bienal de Veneza, um dos principais eventos de arte do mundo. Criando, já naquela época, trabalhos consistentes, singulares e transgressores, ele ganhou os holofotes ao fazer do simples, e aparentemente banal, algo fluido e instável.
Em seguida, vieram outas bienais, a de Istambul (2001), Xangai (2002) e São Paulo (2004) e os principais museus e centros culturais do mundo começaram a exibir as obras de Erlich. São eles: o Museo Reina Sofia, em Madrid; o Tate Modern, em Londres, o MoMA, em Nova York; o Malba, em Buenos Aires; o Museu de Belas Artes de Houston; Musée d’Art Moderne, Paris; Museu de Arte Contemporânea do Século 21, Kanazawa, Japão; MACRO, em Roma; o Museu de Israel, em Jerusalém; entre outros.