Publicitária de formação, Michelle Sander nutria uma carreira promissora em agências de propaganda no Rio Grande do Sul, até que encontrou na Perestroika (escola de cursos livres com método, espaço e ideologias bastante criativas) o que realmente ama: educar. Hoje, ela está à frente de iniciativas inspiradoras na área do ensino, além da Perestroika é sócia da Scholé, focada em disseminar novas práticas e modelos disruptivos na educação. Atenta às tendências do setor, ela compartilha com os leitores da DNews como métodos inovadores no ensino têm impactado pessoas e empresas e quais temas ganharão destaque em 2018. E revela ainda as personalidades que admira e suas referências literárias, consideradas exemplos de vida e carreira.
À frente da Perestroika no Rio Grande do Sul, você fundou em 2013 o Scholé, consultoria que busca levar uma visão mais contemporânea para instituições de ensino. Conte como esse trabalho é realizado, qual é o seu olhar sobre a educação e a importância de modernizar os métodos de ensino e aprendizado.
Acredito que estamos passando por um momento de profunda transformação cultural, que atinge as estruturas antes rígidas e incontestáveis da nossa sociedade. Esse período complexo está ressignificando valores e conceitos, fazendo emergir uma nova cultura, uma nova economia e novas formas de nos relacionarmos.
E, inclusive, um novo olhar sobre educação – que na minha visão, tem muito a ver com ajudar a preparar indivíduos para esse novo cenário de mundo. Modernizar metodologias de aprendizagem faz parte desse processo. Mas não é o ponto central da transformação da educação. A mudança é mais profunda em sentido, conteúdo e significância.
Há algum tempo inovar em educação parecia utopia. Entretanto, estamos vendo novas iniciativas na área, como a própria Perestroika. Como esse novo olhar sobre a educação está impactando as pessoas?
A melhor forma de criar e viver novos cenários de mundo é criando utopias para perseguir. Talvez quem olhasse a Perestroika em 2007, quando a escola foi fundada, achasse um sonho de jovens que não duraria muito. E fomos um dos precursores no movimento de escolas livres no Brasil. Eu acredito que estamos vivendo um momento complexo e lindo, de possibilidade de reconstrução de cenários. E uma revisão de sistemas educacionais que compreendam esse novo tempo, e que preparem indivíduos para novos cenários, ou melhor, para criar novas possibilidades, é fundamental. Vejo mais gente engajada e querendo se envolver com educação. Um despertar coletivo de entendimento da importância dessa transformação.
No meio empresarial, quais mudanças e benefícios esse novo método podem gerar?
Estamos falando de formação de indivíduos, de preparar pessoas para lidar com cenários complexos, cenários de mudança e criação de novos cenários. E as empresas que também estão sendo impactadas pelas transformações sociais, culturais e econômicas que vivemos, percebem que para a sua sobrevivência, precisam de colaboradores também preparados para criação de novas soluções, precisam de lideranças alinhadas com o espírito do tempo que vivemos. Nesse sentido, investir em educação é essencial. Investir na formação dessas pessoas, em capacitações, não é mais um benefício. É sobrevivência.
A Perestroika acredita na educação intuitiva, emotiva, fluída. Esse seria um caminho para formarmos pessoas com valores mais humanos, profissionais com um olhar mais abrangente e pensamento mais crítico? Por quê?
Vivemos hoje em uma constante busca por propósito, por uma razão maior para dedicar nosso tempo e nossa energia na vida e trabalho. E para encontrar esse caminho, precisamos acessar uma conexão interna, mexer com sentidos, com as emoções, gerar uma conexão humana. É isso que procuramos fazer. Dar sentido para o conteúdo. A aprendizagem real ela mexe com as emoções, não somente com o racional.
Em termos de aprendizado e desenvolvimento profissional, quais temas devem receber mais atenção em 2018? Por quê?
Acredito que temas que nos auxiliem a navegar na complexidade, no entendimento de cenários e de movimentos de rede. Desenvolvimento da aprendizagem, do aprender a aprender, flexibilidade cognitiva e pensamento exponencial – são alguns assuntos ligados a essas temáticas e que merecem destaque também.
Seja na educação ou na publicidade você é referência para muitas pessoas. Mas quais personalidades a inspiram atualmente e por quê?
Tem muita gente que me inspira. E nas mais diversas áreas. Dentre eles estão: Tião Rocha (educador, antropólogo e folclorista brasileiro), Ken Robinson (especialista em educação e criatividade), Satish Kumar (monge e ativista), Guilherme Lito (empreendedor e educador), John Hunter (professor, educador e músico), Diane Lima (designer que atua no eixo interdisciplinar entre a arte, o design e a educação) e Joana Burigo (mestre em gênero e mídia). Enfim, poderia citar uma lista gigante.
Quais livros, filmes ou outras obras que foram importantes na construção da sua carreira e mesmo na sua vida pessoal? Em linhas gerais, conte-nos um pouco sobre essas referências.
Vou citar dois livros que considero relevantes e todo mundo deveria ler.
– “Libertando o poder criativo”, de Ken Robison: a proposta é ajudar as pessoas a compreender a extensão de sua capacidade criativa e o que as levou a duvidar delas; estimular as empresas a acreditar em seu potencial de inovação e a criar as condições ideias para que ela se desenvolva; e promover uma revolução criativa na educação. Considero essa obra essencial para quem trabalha, sobretudo com educação.
– “Sidarta”, de Hermann Hesse: é uma reflexão sobre a busca da sabedoria. Fruto de uma viagem à Índia em 1911 foi publicado onze anos depois, em 1922. Sidarta é um espírito rebelde, que seguiu os ensinamentos de Buda, mantendo-se fiel à sua própria alma. Esse é um livro para a vida!
Você diz que foi saindo de sua zona de conforto que descobriu sua grande motivação: trabalhar com educação. Poderia compartilhar conosco uma orientação ou ensinamento que estão sempre presentes em sua memória?
Não sou muito fã de conselho não. Mas nesse momento, eu estou tentando organizar minha vida da seguinte forma: viver intensamente o agora, o hoje (que é a única coisa que de fato temos); planejar o próximo passo viável (para estruturar o futuro); e mirar no sonho, na minha utopia. E para isso, a gente precisa se permitir experimentar mais, na coragem mesmo, sem preguiça, sem vergonha, sem medo. Pular na piscina, como a gente gosta de dizer.
*Entrevista originalmente publicada na edição de fevereiro (2018) da revista .