Pluralidade. Essa, talvez, seja a característica que melhor defina a população brasileira. No entanto, pluralidade não é bem o que se vê nas organizações em atuação no país, sobretudo quando falamos de cargos executivos. Bem mais que uma percepção, essa é a realidade comprovada em números discrepantes. Enquanto o Brasil é composto por 54% de pessoas negras, apenas 5% delas ocupam posições de liderança nas empresas. A situação se agrava no caso de mulheres negras ou pardas: menos de 1% está em altos escalões. Mesmo sendo a maioria da população (52%), somente 14% delas preenchem postos executivos. Em relação às pessoas com deficiência física, não é muito diferente – representam 24% dos brasileiros, mas praticamente nenhuma liderança no país tem deficiência física declarada. Os dados são do IBGE e do Instituto Ethos.
Já que a representatividade de pessoas negras, com deficiência ou mulheres em cargos de liderança é baixíssima, como mobilizar ações práticas em prol da diversidade nas organizações? O caminho convencional é delegar essa responsabilidade ao setor de recursos humanos. De fato, o RH é estratégico para o processo da diversidade na cultura das empresas, porém, de forma isolada, ele não consegue construir um ambiente diverso e, sobretudo, inclusivo.
“A menos que, conscientemente, nos esforcemos e trabalhemos para transformar atitudes, os números em torno da diversidade nas posições de executivos seniores e do conselho não vão mudar.”
Para isso é necessário que as lideranças entrem em ação e provoquem a mudança. “As lideranças precisam reconhecer que temos um problema”, destaca a executiva Anuranjita Kumar, considerada pela Fortune como uma das mulheres mais poderosas do mundo e reconhecida pelos projetos de diversidade em grandes empresas (ela esteve à frente de multinacionais como o Citi por mais de duas décadas e hoje é sócia da IdusCap Ventures).
Em entrevista à AESC, Kumar aborda esse tema, que também é retratado em seu livro “Colour Matters?” – um relato pessoal de experiências em diferentes partes do mundo (Asia, EUA e Europa), onde atuou como executiva de organizações globais. Segundo ela, a menos que, conscientemente, nos esforcemos e trabalhemos para transformar atitudes, os números em torno da diversidade nas posições de executivos seniores e do conselho não vão mudar.
“Líderes executivos e o RH devem começar por reconhecer que temos um problema. Mas é importante ressaltar que esse problema pode ser resolvido.” Por outro lado, muitas lideranças não vêm essa questão como algo suficientemente sério. Há uma conformidade, aceitação da causa ou cumprimento de metas, o que não é suficiente para gerar inclusão ou reter talentos da diversidade. Se a empresa contrata uma mulher negra, mas não é ofertado a ela a igualdade de oportunidades (chegar ao topo, por exemplo) não haverá a inclusão. Uma mudança profunda só vai ocorrer se houver mensagens fortes e exemplos do topo.
Anuranjita Kumar relata que em muitas empresas é comum que talentos da diversidade desempenhem papéis periféricos ou permaneçam por anos a fio em cargos de nível júnior. “Compartilho isso abertamente, porque ouvi esse relato de várias pessoas que deixaram organizações onde a cultura simplesmente não as promoveu.”
“As decisões das minorias, por mais talentosas que sejam, serão guiadas pelo sucesso que consideram que terão nessa organização, o que em grande parte é motivado pela maneira como os principais líderes estão definindo o tom cultural da inclusão. E a probabilidade de uma cultura aberta e inclusiva quando existe uma equipe diversificada, é mais provável do que em uma equipe homogênea.”
Preconceito inconsciente: encará-los de frente nos permite lidar com eles
De acordo com Anuranjita Kumar, boa parte de nossas ações e reações está relacionada com o que aprendemos enquanto crianças, seja no convívio familiar, na escola, entre amigos etc. Ensinamentos que ajudaram a “moldar” nossa visão de mundo e inconsciente, enquanto adultos. “Uma maneira de lidar com isso é entender, também, os preconceitos que são formados nessa época da vida, falar deles, trazê-los para o primeiro plano. Poder vê-los, nos permite lidar com eles. Quebrar o viés do preconceito inconsciente é a maneira de torná-lo consciente. Uma vez consciente, você percebe o absurdo disso.”
“Uma mudança profunda só vai ocorrer se houver mensagens fortes e exemplos do topo.”
Nas organizações, esse assunto pode ser abordado e tratado em treinamentos, sessões, entre outras práticas. Ela ressalta que há, inclusive, muito esforço para desafiar profissionais e lideranças em termos de mentalidade. “Não tenho certeza se podemos mudar todas as mentalidades, mas podemos criar meios para que as pessoas se entendam melhor.”
Kumar indica duas práticas que as organizações podem desenvolver:
1-Definir o que “talento” significa e quais seus atributos, desafiando qualquer viés oculto;
2-Realizar processos de identificação e seleção dos talentos completamente independente de cor, gênero ou deficiências físicas.
Mais que nunca as lideranças precisam entender que a diversidade é um grande potencial de desenvolvimento, resultados e retornos financeiros para a empresa. “Existe um argumento de negócios tão grande para a diversidade, que impactará o valor para os acionistas. Quando olho para empresas ambiciosas e globais, olho para clientes diversos. Não ter uma força de trabalho diversificada, basicamente não faz sentido nos negócios. Para mim é um caso de negócio muito simples: se você não fizer isso, não poderá ir mais longe.”
Fonte: artigo com informações de entrevista realizada com Anuranjita Kumar para o portal AESC.