Uma reflexão sobre o senso de urgência e sua conexão com a rede social mais usada no Brasil
Qual foi a maior mudança que a tecnologia gerou na sua vida? Apesar de existirem inúmeras respostas para essa pergunta, certamente elas esbarram em um único tópico: a relação com o tempo. Pense bem: a velocidade está na base de tudo que envolve o mundo digital, dos aparelhos às experiências. Ser rápido é ser eficiente. E como essa lógica está imersa na vida contemporânea, não é estranho observar seu reflexo no comportamento humano.
As pessoas se habituaram com a urgência. Em casa, no trânsito, no trabalho e até na hora do descanso: não há tempo a perder. Que o diga a dinâmica atual dos diálogos, regida pelo Whatsapp – a rede social mais usada no Brasil. Praticamente todas as pessoas que têm um smartphone no país (93,4% da população) usam o aplicativo. São 169 milhões de brasileiros entre 16 a 64 anos – dados da pesquisa realizada pela We Are Social e Meltwater.
Com as mudanças na comunicação trazidas pela pandemia de covid-19, trazendo agora um recorte do mundo corporativo, o e-mail foi perdendo espaço para canais que privilegiam diálogos em tempo real. Não à toa, as conferências por videochamadas se popularizaram, assim com as mensagens via Whatsapp, que passaram a ser onipresentes nas empresas. Nem mesmo a retomada aos escritórios, processo que foi iniciado em 2022, enfraqueceu o hábito. Segundo estudos da Opinion Box, 79% dos brasileiros usam a ferramenta para se comunicar com a empresa.
Junto da eficiência deste canal de comunicação, veio um grande problema ligado à necessidade de estar disponível e a pressão por respostas rápidas. Pesquisas mostram que boa parte dos profissionais associa indisponibilidade com incompetência, o que os faz responder mensagens fora do expediente e a não ter clareza sobre o que pode ou não esperar até o dia seguinte.
Senso de urgência
A partir do momento que o senso de urgência e a necessidade de estar disponível tornaram-se regras, não há como dissociar o estresse e a ansiedade do uso da ferramenta. “O sistema que processa a ansiedade do cérebro é muito primitivo e ele pode ser ativado não necessariamente por um medo real, mas por um medo abstrato”, explica o psiquiatra do Hospital das Clínicas da USP, Rodrigo Menezes Machado, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Como medo abstrato, entende-se desde o receio de receber uma avaliação negativa no trabalho até de ser julgado por não estar disponível de imediato. A maior parte desses sentimentos tem relação com a necessidade de aprovação social, de precisar pertencer a qualquer custo, e também com o medo de ficar de fora – a conhecida síndrome Fomo (fear of missing out).
Se não forem revistos, esses comportamentos tornam-se um padrão e vão comprometendo, aos poucos, o tempo de descanso, o humor, o autocuidado, a qualidade das relações. O mais comum é as pessoas se queixarem de falta de tempo, de ansiedade, de estresse, mas seguem a vida com esses sintomas, sem saberem ao certo a sua origem.
Faça uma autocrítica
Pensar na própria relação com o Whatsapp é o primeiro passo. Se você é uma pessoa que espera por respostas imediatas, certamente vai se cobrar por responder de forma instantânea. Outro ponto importante é refletir sobre a necessidade de enviar mensagens. Será que todos os assuntos precisam ser tratados dessa forma? Muitas vezes é mais eficaz reunir todos os tópicos e tratá-los em uma conversa mais prolongada.
Se atentar aos horários de envio também é essencial. Não é porque você se lembrou de um assunto importante, tarde da noite, que precisa compartilha-lo imediatamente. Anote-o e coloque um lembrete para o dia seguinte, algumas horas de espera não vai prejudicar a sua importância, pelo contrário, vai treinar sua capacidade de saber esperar a hora certa, sem descontar sua ansiedade no outro. Se esse ciclo for quebrado, primeiro por você, o senso de urgência vai se diluir e uma nova relação mais saudável com a ferramenta estará estabelecida.
Diferença entre importante e urgente
Se o Whatsapp borrou os limites entre o que é importante e o que precisa ser respondido agora, nos resta refletir sobre o que, de fato, é uma urgência. E, cá entre nós, o dia a dia mostra que quase nada é “para ontem”. Ter esse discernimento é fundamental. Na maior parte das vezes as mensagens são importantes, mas isso não faz delas uma emergência. Nesse caso, existem outras formas de contato, como a ligação telefônica.
Mais tempo para você
Desfazer as armadilhas da cultura da urgência não é uma tarefa simples, mas possível. E tudo começa com um questionamento interno sobre a nossa relação com o tempo. Compreender quais atividades preenchem seu dia e qual é o sentimento ao final de uma jornada são pontos importantes. Se há uma sensação constante de estar devendo algo, ascenda o alerta e repense a sua rotina.
Ficar um tempo longe do celular, estabelecendo momentos do dia para responder as mensagens, é uma atitude que reduz a ansiedade e melhora a capacidade de concentração. Manter esse hábito nos momentos de folga também é essencial para estimular mais tempo de qualidade, seja para dedica-lo a você e às pessoas do seu círculo pessoal.