Como se manter relevante ao longo do tempo?
Mais de 140 milhões de brasileiros usam, diariamente, as redes sociais. Das 23 milhões de empresas em atividade no país, 80% está lá. É muita gente falando: em nome de produtos, de serviços, de uma causa, de projetos pessoais, da vida pessoal… Ao mesmo tempo que temos tantas vozes (e é ótimo que mais pessoas falem) é desafiador participar da conversa e ser ouvido. Me pergunto o porquê: no sentido pessoal, como profissional e também como empresa.
Uma resposta simples a essa pergunta seria: se fazer ouvir em meio à polifonia da nova era não é tarefa fácil. São mudanças demais, concorrência demais. Mas isso não é suficiente para resolver um dos maiores dilemas empresariais de hoje. Então recorro à história, ao caminho traçado por companhias centenárias, aquelas que já passaram por inúmeras crises, por mudanças culturais, sociais e seguem firmes. Temos bons exemplos globais, como a Nintendo, a IBM, a General Eletric; e as brasileiras, claro, não ficam atrás, como a Gerdau e a Matte Leão (ambas criadas em 1901). Meu palpite para tamanho sucesso ao longo do tempo? Relevância.

Adriana Prates é CEO da Dasein EMA Partners Brasil.
Relevância no sentido da autenticidade, da consistência. Não falo aqui de estratégias baseadas em tendências para não ser esquecido. Todas essas empresas centenárias, ao meu ver, são relevantes porque nunca deixaram de lado aquele produto ou serviço que fizeram dela um diferencial, que atraiu clientes fiéis. E, ao mesmo tempo, sempre buscaram a expansão, o novo, sem perder a sua essência.
Relevância começa de dentro
Se perguntar o que é relevância na sua realidade de mercado é um passo fundamental. E já digo logo: não é só pela qualidade do serviço/produto. Trabalhar bem não garante relevância. Na minha experiência com empresas de diversos setores, vejo que as mais relevantes vivem os seus valores, a sua essência, e os refletem em suas ações. Seus impactos são reais, não se restringem a discursos. E isso está diretamente ligado à forma que a empresa é percebida pelos colaboradores e pela sociedade.
A percepção externa de uma empresa relevante começa de dentro, com a sua cultura. Funcionários engajados e alinhados com os valores da organização são seus maiores embaixadores. Práticas de bem-estar, desenvolvimento, inovação, sustentabilidade e ética fazem parte do dia a dia dos funcionários. Outra coisa importante: essas empresas entendem que relevância não é estática. Elas promovem feedbacks constantes, estão dispostas a evoluir e se adaptar conforme as expectativas e necessidades do mercado.
Olhe para o seu quintal
Porque o seu cliente, aquele núcleo fiel, não abre mão do seu produto/serviço? Certamente essa resposta diz muito sobre a essência da empresa, ativo que deve ser preservado, custe o que custar. É partir da sua essência que a empresa deve inovar e não o contrário. Estar atento e se adaptar às tendências é fundamental para um mundo que muda a todo instante, mas de forma equilibrada, sem nunca se perder do seu eixo condutor, a razão de existir.
Penso que é nesse ponto que muitas empresas estão se perdendo hoje. Ao querer surfar todas as tendências, deixam de olhar para o próprio quintal, de investir nos clientes mais fiéis. E falo de tendências de forma ampla, inclusive na liderança. Quantas vezes não vemos modismos de gestão (que dizem muito pouco sobre a realidade de um negócio) replicados por líderes na cultura da empresa?
A seletividade e o papel das lideranças
As lideranças devem atuar como verdadeiros guardiões da essência da empresa, o que inclui seus valores, sua cultura, a sua razão de existir, independente da tendência do momento; ao mesmo tempo que não ignora as mudanças do mundo. Complexo? Sim, esse é o papel da alta liderança – guardar os valores, a cultura e adaptar a visão e a estratégia às mudanças que fazem sentido. Ser, sobretudo, seletivo e tomar a decisão de não participar de todas as conversas ou tendências.
Enquanto a alta liderança define essa estratégia, os líderes intermediários as traduzem em ações e influenciam diretamente o engajamento das equipes. Se não houver sinergia entre ambos, se os primeiros não inspiram nem comunicam com clareza, a empresa pode se desviar do seu caminho, perder a direção. Se os líderes intermediários não traduzem a estratégia em ações concretas, a relevância não se sustenta. Por outro lado, quando ambos atuam de forma sinérgica, a empresa constrói uma presença forte, inovadora, sustentável, e não se perde da sua essência.
Saiba interpretar o novo
É sempre bom lembrar que a inovação bem-sucedida vem da personalização da tendência, de interpretar o novo de forma inteligente, dentro do seu contexto. Para isso, é fundamental ouvir seu cliente, seus colaboradores – eles são termômetros essenciais para validar tendências. O que valorizam? O que esperam da empresa? Esse diálogo ajuda a entender quais mudanças fazem sentido sem comprometer a identidade.
A partir deste estudo, teste. Teste muito, de forma controlada. Projetos-piloto e experimentação são formas seguras de explorar tendências sem riscos desnecessários, sobretudo para a cultura da empresa. Quando as mudanças respeitam a cultura, a adaptação ocorre de maneira natural e autêntica. Se há conflito entre inovação e cultura, é um sinal de alerta.
Protagonistas da evolução
Essência, cultura, relevância, inovação: tudo isso gira em torno das pessoas. Por mais tecnológico que seja o seu setor, ele é e sempre será humano. Assim como a criatividade e a capacidade de inovar sempre serão humanas – por mais sofisticada que as ferramentas de Inteligência Artificial possam se tornar.
Portanto, pensar em relevância ao longo do tempo tem como pré-requisito o investimento em pessoas, em capacitações contínuas, em ambientes acolhedores, diversos, inclusivos, propícios à experimentação, ao pensamento crítico e à resolução de problemas. Colaboradores valorizados são engajados, fortalecem a cultura, se sentem guardiões da essência da empresa e protagonistas da sua evolução.