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Ensinamentos do montanhismo para sua carreira

“Estamos viciados no fim. Na medalha de ouro. No selfie no cume da montanha.”

Entrevista com Gustavo Ziller, criador do programa 7Cumes, do Canal Off

 

A vida de Gustavo Ziller é a prova de que a jornada pode ser tão ou mais interessante que o próprio destino. Como empreendedor, se destacou ao fundar a Aorta, pioneira em conteúdo digital para mobile. Participou da criação de duas grandes rádios em Belo Horizonte. Aliou sua carreira executiva à autoria de livros, palestras e segue como criador de conteúdo para grandes veículos da mídia, além de estar à frente do programa 7Cumes, no Canal Off, que ele também produz. Para Ziller, mudança é evolução. Novas caminhadas são sinônimo de repertório, de aprendizados contínuos e essenciais à vida.

gustavo olha para frente com cara de cansado

Gustavo Ziller em expedição ao Everest, em 2021. Foto: programa 7Cumes, canal Off.

De executivo do setor de entretenimento e produção de conteúdo a escalador das montanhas mais altas do mundo, escritor, produtor e apresentador: sem dúvidas você é um profissional multifacetado. Como essa característica – transitar por áreas distintas – agrega ao que você faz?

Eu vivo em constante movimento por hábito. Hábito criado a partir das andanças dos meus pais. Moramos em Salvador, Rio, Belém do Pará, onde passei minha infância. Jogar-se no que está por vir sempre foi uma característica no casal que me colocou nesse mundo. Eu curtia, e passei a entender que mudança não é ruim. E que mudança é o que me faz evoluir, e muitas vezes me transforma em outro alguém. Então volto na palavra hábito. Eu criei esse hábito desde cedo e com o passar do tempo fui entendendo que era um desses hábitos que me fazia bem. No meu caso muito bem. Note, e escrevo isso no momento em que recebo a notícia que vamos ter que mudar de casa para atender um pedido do proprietário do imóvel. Nos últimos 20 anos minha família e eu passamos por três cidades e cerca de 14 casas diferentes. Imagina o tanto de aprendizado envolvido, o tanto de cultura, cidades, trabalhos e ocupações. Minha visão de mundo e dos projetos que me envolvo não seria o mesmo sem esse hábito. Sigo no transitar da vida.

Pegando o gancho da pergunta anterior, você acredita que quanto mais uma pessoa é interdisciplinar, convive com pessoas diferentes, transita por profissões diferentes, mais inovadora e criativa ela pode se tornar? Por que?

Antes vou colocar o que penso dessas duas palavras. Inovação não tem a ver com tecnologia. Inovação é fazer algo de uma forma que facilita o ‘algo’. É aquela frase de mineiro: ‘nu, por que não pensei nisso antes?!’. Essa frase vem depois da inovação. Já criatividade não tem a ver com criação. Criatividade é fazer algo diferente que joga uma nova perspectiva no ‘algo’. Dito isso, quanto mais referência uma pessoa tiver, mais ela se aproxima da inovação e da criatividade. Referências e diversidade são os principais aliados desse mundo, do nosso mundo, do século XXI. Portanto, você tem razão de ‘pegar o gancho’, tá tudo interligado.

Você foi acometido pela síndrome de burnout há quase 10 anos e depois disso mudou toda a sua rotina. Foi nessa época, inclusive, que você começou a praticar montanhismo, certo? Conte como foi o seu encontro com esse esporte e como ele virou uma paixão e parte da sua vida.

Não aconteceu da noite para o dia. Muita gente pensa que eu acordei naquele determinante dia em que desmaiei no trânsito de São Paulo e disse, ‘taí, vou escalar o Everest’. Não foi assim. Foi mais lento, mais doloroso e um processo. Tive amigos que me incentivaram, a Pati, minha companheira há 32 anos, me tirando do lugar outra vez. Mudamos de São Paulo para Belo Horizonte, deixei a empresa que tinha fundando, me recolhi no processo de estudo para voltar a dar aulas e palestras, comecei a escrever novamente e no meio disso tudo resolvi fazer um trekking ao campo base do Annapurna, a 10ª montanha mais alta do mundo. Esse período nos Himalaias foi pano de fundo do meu primeiro livro, ‘Escalando Sonhos’, que escrevi para contar aos nossos filhos, Joana, Iara e Mateus, tudo que tinha acontecido pra eu quase tê-los deixado aos 37 anos de idade. Do livro surgiu a vontade de escrever um roteiro de série, dessa vontade entendi que o protagonista poderia ser eu, e desse entendimento surgiu a prática, os treinos, as montanhas. A paixão estava sempre por perto, em cada momento dessa jornada.

Ziller e mais três pessoas sobem ao Everest

Ziller e equipe em ataque ao cume do Everest. Foto: programa 7Cumes, canal OFF.

Ao longo desses anos, quais foram os principais ensinamentos que o montanhismo te trouxe, tanto para sua vida pessoal como profissional?

Não consigo dizer qual é o mais importante e quantos foram. Porque foram muitos e todos eles continuam ao meu lado e de certa forma do lado de quem eu consigo tocar o coração. Mas, destaco dois. O primeiro é que ninguém prospera sozinho. O coletivo, na montanha, é muito mais importante que o individual. O que não quer dizer que o indivíduo não precisa estar bem preparado, ou que ele não é uma peça importante do coletivo. Mas, só existe liberdade individual com bem-estar coletivo. É assim na vida. Ou melhor, deveria ser. Porque há um sentimento de parte dos habitantes da terra que tudo se resolve na liberdade do ‘eu’. Se for assim na montanha, alguém morre. O segundo aprendizado que quero destacar é a diferença de prioridade para listas de tarefas ou protocolos e atividades. A montanha me ensinou que a prioridade lá é segurança, e tratamos todo resto como lista de protocolos. Nós temos a incrível habilidade de confundir prioridade com listas. Imagina uma pessoa com 45 prioridades na semana? Melhor ter o número do SAMU sempre por perto porque o índice de ansiedade dessa pessoa é muito alto. Eu sei. Eu fui assim. Eu desmaiei dirigindo meu carro na Avenida Cidade Jardim em São Paulo. Não é um bom caminho para nossas vidas, né?

Desde a primeira montanha escalada, até hoje na recente e incrível expedição ao Everest, qual foi a maior dificuldade com esse esporte e por que?

Continuar. Mas, antes, uma explicação. Eu sou uma pessoa da cidade que passa dois meses na montanha. Não sou uma pessoa da montanha que passa dois meses na cidade. Tem uma diferença enorme. E continuar é um grande desafio porque a vida urbana tem a incrível capacidade de te enclausurar, te colocar em um estado que claramente você não quer e sem explicação racional nenhuma acontece. É muito difícil lidar com a parte financeira, emocional, física e fisiológica que o esporte demanda, mas pode ser simples. Eu to buscando essa simplicidade porque quero aumentar os meses de montanha e tenho projetos que precisam de continuação e consistência.

Pemba e Ziller estão dentro da barraca e sorriem

Pemba Sharwa, montanhista e guia da expedição, ao lado de Ziller. Foto: programa 7Cumes, do canal Off.

Pensando nos profissionais que passam praticamente o dia todo em escritórios e que têm vontade de explorar novas realidades/desafios (seja por meio do esporte ou outras práticas) e que estão precisando de um “empurrão” pra que isso aconteça, qual seu conselho e quais os benefícios que eles podem ter ao encarar novas experiências?

A gente vive uma pandemia invisível que nos paralisa. A pandemia do final. Explico: estamos viciados no fim. Na medalha de ouro. No selfie no cume da montanha. Na foto do nascimento do filho que te torna pai, por exemplo. Mas, a gente esquece da paternidade. Da jornada. Da trajetória. E de tudo que precisamos para que o final se torne parte do caminho e deságue em um recomeço. Esse vício no fim nos impede de dar um pequeno passo que nos coloca em movimento. Um exemplo prático, pode ser? Eu adoro a Tanzania, país onde está a maior montanha da Africa, o Monte Kilimanajaro. Já fui três vezes lá, e voltarei duas vezes num prazo de oito meses. A turma que me conhece sabe dessa relação com o lugar. E tem gente que me pede pra ir junto, ‘me leva no Kilimanjaro’. Quando isso acontece eu respondo, claro, bora lá, mas antes uma pergunta: quem compra pão na sua casa? Normalmente a pessoa responde que ela. Então pergunto a distância da padaria para a casa e como ela vai até lá comprar o pão. Daí tenho diferentes respostas, no entanto as mais comuns são que a padoca fica até 1km de casa e as pessoas compram pão indo de carro. Tem padoca que está no mesmo quarteirão da casa de quem responde que vai de carro. Bom, quem compra pão de carro não vai escalar o Kilimanjaro. É simples assim. O ataque ao cume do Kilimanjaro demora 15 horas. São quinze horas no escuro, frio, andando e subindo. Se você não usa os pés como meio de locomoção, você não vai praticar montanhismo. Respondendo sua pergunta em uma frase, o ‘empurrão’ que você precisa é o que te coloca em movimento. E isso normalmente é muito mais simples do que parece. Vai comprar pão andando…

Tem algo no radar para os próximos meses? Um novo projeto ou plano que gostaria de compartilhar?

Muita coisa está acontecendo, mas a filmagem da última temporada do 7Cumes na Indonésia, mais precisamente na Papua, para expedição da Pirâmide Carstenzs, a montanha mais alta da Oceania com 4884 metros de altura, já está pública. O mais legal dessa expedição é que nossa filha do meio, Iaia, vai comigo. E ela está participando de todo o processo. Treina comigo, escala comigo e me inspira a continuar. Continuar sempre vai ser o mais difícil. E no coletivo a gente se apoia, e continuamos.

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