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Dasein convida: Thelma Teixeira

Muito ainda por se dizer…

 

*Por Thelma Teixeira

 

Os humanos sempre quiseram saber quem eram, de onde vieram e para onde iriam, assuntos bastante complexos, difíceis de entender. Essa característica/necessidade humana de decifrar os acontecimentos que não entendiam gerava angústia e, uma forma de suprimi-la ou ao menos diminuí-la foi lançar mão de recursos internos, especialmente a imaginação. Desse modo nossos antepassados imaginaram e criaram mitos para compreender aquilo que lhes era incompreensível.

Mitos são narrativas/histórias utilizadas pelos povos para explicar fatos da realidade, fenômenos da natureza, assim como as origens do mundo e dos seres humanos, enfim aquilo que, na vida, desperta a curiosidade. Nossos antepassados utilizaram de simbologia de fácil reconhecimento e compreensão, de personagens sobrenaturais, deuses e heróis. Nos mitos não há um limite definido entre o que é natural e o que é sobrenatural, tampouco possuem uma lógica de causa e consequência. São interligados com fatos reais e características humanas e têm ainda o objetivo de transmitir conhecimento. Surgiram para tentar explicar o mundo e também a fragilidade do ser humano. É interessante pensar que a tentativa de compreender o enigmático, o desconhecido, gerava e gera angústia, digamos, uma angústia produtiva – emoção que hoje os seres humanos tentam dirimir a qualquer custo e por diversos meios, em vez de transformá-la em tensão criativa e consequentemente na especial qualidade do ser humano, a criatividade.

Como exemplo, falemos do mito de Édipo tão caro aos psicólogos, uma vez que Freud o utilizou no desenvolvimento da Psicanálise. Ao nascer, Édipo, filho de Laio e Jocasta, reis de Tebas, foi levado para ser morto o que evitaria a previsão do oráculo de que ele mataria seu pai e casaria com a sua mãe. Porém não foi morto e, incognitamente, criado por outra família. Jovem, ao ficar sabendo a previsão de que mataria seu pai, saiu de casa para fugir ao tal destino. Entretanto, no caminho, em uma briga, matou seu verdadeiro pai sem saber de quem se tratava e chegou ao reino de Tebas. Ao decifrar o enigma da esfinge que ficava na entrada do reino, consagrou-se rei de Tebas e casou-se com a rainha Jocasta, sua verdadeira mãe. Ao descobrir que havia casado com a própria mãe, pune-se furando os olhos e foge.

Uma tragédia grega, de Sófocles, como tantas outras que tinham sempre o propósito de catarse e aprendizagem moral. O mito de Édipo revela uma crença de que ninguém escapa ao seu próprio destino, mas, paradoxalmente, revela o desejo de mudança e o uso da razão para não aceitar o determinismo.

Os mitos são baseados em crenças e não em evidências racionais e foi a passagem da consciência mítica à consciência racional, que fez surgir a filosofia, etimologicamente, amor à sabedoria. Área do conhecimento que busca as causas dos acontecimentos e que convida o ser humano a duvidar, refletir, questionar, discutir, enfim, a filosofar. Como ressaltou o professor de mitologia e filosofia, Luiz Flávio em uma de suas aulas: “perigosa, mas fascinante e seu fogo não se apaga”.

Thelma Teixeira é psicóloga, psicodramatista e especialista em Administração de Empresas. Articulista e autora do livro “Psicodrama Empresarial”.

Por falar em fascinante, um mito que eu não conhecia até fazer o curso “Quem somos nós” da professora Zahira Souki, é o curioso mito fundador do Brasil. Este apresenta o Brasil como o paraíso terrestre: “um jardim perfeito com vegetação luxuriante e bela, flores e frutos perenes, feras dóceis e amigas, temperatura sempre amena e primavera eterna”. A maioria das cartas dos navegantes fazia referências a jardins paradisíacos. A descoberta do Brasil (ou achamento, segundo alguns autores) do ponto de vista simbólico, mais que uma expansão de mercados, foi a realização de uma profecia. Os mapas do período inicial das navegações citam o local onde se vê a docilidade e receptividade dos nativos “tão puros que não usam roupas, não escondem suas vergonhas e não têm pelos no corpo”.

Desse modo, no período da conquista e colonização do Brasil surgem os principais elementos para construção do mito fundador – a visão do paraíso. No mundo novo julgou-se haver reencontrado o paraíso terreal. Desde quando fomos descobertos/achados, nenhuma observação científica foi registrada pelos portugueses sobre a terra descoberta. A carta de Pero Vaz de Caminha escrita em 1500, só foi conhecida duzentos anos depois do descobrimento. Para os portugueses, o Brasil representava somente um lugar de grande potencial extrativo. Por séculos, nenhum português se interessou pelos seus aspectos científicos.

Originada do mito fundador temos uma representação fantasiosa do Brasil muito positiva, de um povo pacífico, ordeiro e inimigo da violência. Entretanto, é contraditória, visto que não é assim que grande parte do povo se comporta.

Segundo Marilena Chauí, autora de Brasil-mito fundador e sociedade autoritária, mito “no sentido antropológico é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade”. O mito fundador é repetição de algo imaginário e cria um bloqueio para perceber e lidar com a realidade. Sob novas roupagens, o mito pode repetir-se indefinidamente.

O medo do desconhecido, gerando a criação de mitos, sempre esteve e está presente no ser humano. A ansiedade, que é umas das formas de medo, é sofrer fora de hora por uma situação que, por enquanto, só existe no futuro imaginário. O medo geralmente é visto como sentimento negativo, porém é ele que nos protege de várias situações e permite reconhecer ameaças, a tempo de evitá-las.

O neurocientista Sidarta Ribeiro diz: diante do perigo eminente, é preciso decidir entre fugir ou lutar. Tais comportamentos antagônicos são gerados pela ativação de diversas regiões cerebrais, cuja interação neuroquímica aumenta o estado de alerta e prepara o corpo para os movimentos vigorosos que caracterizam tanto a luta quanto a fuga. Quando o medo se transforma em terror, torna-se difícil lutar ou fugir. Neste momento pode surgir a paralisia, seja por congelamento, seja por imobilidade tônica. E ensina: “a coragem não é a ausência de medo e sim a disposição para enfrentá-lo.”

O que tudo isto nos leva a refletir?

– Os mitos devem ser levados em consideração, ou seja, serem analisados de qual maneira interferem na nossa história pessoal e em nosso ambiente micro e macro;

– Uma das funções do mito é “acomodar e tranquilizar o homem em relação ao mundo assustador”. Entretanto, o medo no ser humano é primordial ao nosso desenvolvimento, pois é o que nos protege e também nos leva à “luta”;

– O ser humano é diferenciado de outros seres por ter a capacidade de imaginar (um presente do cérebro desenvolvido) e de criar;

– Devemos desenvolver o pensamento crítico, questionar e duvidar daquilo que nos é dito sem argumentação e discussão. Lembrar que “nem tudo que a gente ouve, houve”.

Para finalizar, mas sem colocar ponto final, transcrevo um escrito que recebi pela internet, de autor desconhecido, do qual extraí o título desse artigo:

“Adoro reticências…

Aqueles três pontos intermitentes que insistem em dizer que nada está fechado,

que nada acabou, que algo está por vir!

A vida se faz assim! Nada pronto, nada definido. Tudo sempre em construção.

Tudo ainda por se dizer…

Nascendo…Brotando…Sublimando…Vivo assim…Numa eterna reticência…

Para que colocar ponto final? O que seria de nós sem a expectativa de continuação?”

 

*Thelma Teixeira é psicóloga, psicodramatista e especialista em Administração de Empresas. Articulista e autora do livro “Psicodrama Empresarial”.

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