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Combinando lucro social com lucro empresarial

Há algum tempo conheci (e me interessei) pelo Wharton Societal Wealth Program (WSWP), da Wharton School da Universidade da Pensilvânia. Duas coisas catalisaram a minha atenção:

  • O objetivo do WSWP, fundamentado no empreendedorismo social e cuja hipótese norteadora estabelece que o empreendedorismo e a inovação podem servir como ferramentas para o combate de problemas sociais por parte de organizações comprometidas com uma declaração de missão dupla (lucro social e lucro empresarial), operando um modelo de negócios com fins lucrativos;
  • A inovação na educação para a gestão e os negócios, orientada pela criação de condições favoráveis ao aprendizado experiencial na perspectiva do enfrentamento dos desafios da pobreza e da miséria humana por meio da criação de riqueza social.

Em condições de incerteza, os participantes do WSWP, liderados pelo professor Ian MacMillan, utilizam seis princípios guias que os impelem a estabelecer o escopo, mapear as questões sócio-políticas, prototipar um modelo de negócios social, planejar uma abordagem realista de desengajamento e saída, antecipar consequências indesejadas (negativas e positivas) e adotar uma abordagem de aprendizado baseada em descobertas, em detrimento da orientação clássica ao planejamento.

Dentre os projetos ativos do WSWP, destaco um projeto multidisciplinar na Zâmbia que já emprega mais de 100 trabalhadores na produção de alimentos para aves. Os alimentos destinam-se a mais de 1200 novas granjas que produzem o equivalente a 2.5 milhões de porções diárias de proteínas por mês, em uma região considerada pobre e nutricionalmente deficiente. O projeto gera emprego, renda, consumo, dignidade, desenvolvimento social, e leva esperança às pessoas, a partir de uma nova causa ou propósito de vida.

Destaco aqui um ponto relevante para a nossa reflexão: paradoxos estratégicos. Como você lida com eles? Na base do “OU uma coisa OU outra”? Paradoxos estratégicos envolvem métodos associados a tensões contraditórias (ainda que integradas) que nos desafiam todos os dias em nossas organizações, por meio de questões como “Learning Organizations” (tensões entre aprendizado E performance, estabilidade E mudança, controle E flexibilidade), “Organizações Ambidestras” (capazes de “explotar” oportunidades/recursos já existentes E “explorar” o desconhecido em busca de oportunidades totalmente novas), “Inovação em custos” ( fazer melhor E mais barato) e “Empreendimentos Sociais” (combinar lucro social E lucro empresarial). Ao invés de vivermos na restrição do “OU”, estamos aprendendo a abraçar a dialética do “E”.

Um dos maiores inovadores em modelos de negócios sociais é Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz em 2006, a quem devemos o crédito dos conceitos centrais deste artigo. Yunus é um notório questionador da sabedoria convencional (termo cunhado pelo economista Galbraith para iluminar a mistura de meias verdades com conveniência), além de um grande desafiador das regras do jogo estabelecidas nos paradoxos estratégicos. Segundo ele, “é possível criar negócios com uma missão social, gerenciados em uma lógica organizacional COM fins lucrativos”.

Boa parte dos projetos de sustentabilidade aos quais já fui apresentado me causava a impressão de que uma máxima apócrifa fazia sentido: “sustentabilidade é igual ao reino dos céus: todo mundo quer ir para lá, mas não agora”. A experiência de sucesso liderada por Yunus é uma resposta à sua própria crítica de que as organizações advogam o triple bottom line (métricas e resultados das organizações nas perspectivas financeiras, sociais e ambientais), mas que na verdade é apenas o single bottom line (resultados unicamente financeiros) que importa.

A esta altura, você já deve estar se perguntando como fazer isso acontecer. Os temas “inovação social”, “empreendedorismo social” e “modelos de negócios sociais” estão entre os temas que mais despertam a minha curiosidade atualmente e fica aqui o meu alerta de que tais conceitos ainda estão em construção. Em recente artigo de Yunus e colegas no prestigiado periódico acadêmico Long Range Planning, temos uma compreensão maior da temática.

Yunus, pioneiro do microcrédito, fundou o Grameen Bank em 1976, após se indignar com a exploração de mulheres pobres por agiotas nos muitos vilarejos de Bangladesh. Os dados auditados (circa 2010) me causam alegria e esperança: o banco oferece empréstimos para mais de 7.5 milhões de pessoas pobres de Bangladesh, das quais 97% são mulheres; entre o universo das famílias que contraíram um empréstimo do “Banqueiro dos Pobres”, 68% já cruzaram a linha da pobreza; 98,4% dos empréstimos são honrados e o banco tem sido lucrativo em todos os anos de sua existência, exceto os anos de 1983, 1991 e 1992. Hoje o Grupo Grammen é uma rede de quase 30 organizações irmãs ligadas ao Banco Grameen.

Relato três pequenos casos de sucesso construídos por Yunus com empresas multinacionais estabelecidas:

(1) Grameen Phone (com a norueguesa Telenor) – possibilita a geração de empregos para as denominadas Grameen telephone ladies. Os clientes que demandam serviços de telecomunicações pagam por minutos de uso, evitando o custo de aquisição de aparelhos e assinatura.

(2) Grameen Veolia (com a francesa Veolia Water) – utiliza sistemas de tratamento de água de superfície para a provisão de água potável às populações rurais, distribuída em garrafas ou bebedouros. Os usuários utilizam o sistema de cartões pré-pagos.

(3) Grameen Danone (com a espanhola Danone) – fornece um iogurte desenvolvido para atender às necessidades nutricionais de crianças de Bangladesh a preços módicos. O iogurte é produzido localmente e distribuído de porta em porta pelas Grameen Ladies.

Yunus, Moingeon e Lehmann-Ortega nos deixam cinco lições importantes acerca desses três casos. As três primeiras lições se aplicam a quaisquer tipos de inovações em modelos de negócios, ao passo que as duas últimas são específicas para modelos de negócios sociais. A primeira é desafiar continuamente a sabedoria convencional: você emprestaria dinheiro para pessoas pobres que não podem apresentar nenhum tipo de garantia? A segunda lição nos remete ao imperativo de buscar parceiros complementares que possam contribuir com os recursos faltantes ou cuja construção demandaria um custo de oportunidade imponderável. A parceria Grameen-Telenor é mutuamente benéfica, visto que a primeira detém grande conhecimento do país/mercados emergentes e a segunda possui grande expertise na construção de redes para a telefonia celular. A terceira lição é abraçar a experimentação contínua e o aprendizado baseado em descobertas. A Grameen-Danone aprendeu, durante a implementação, que fazia sentido a produção local de seu iogurte e a distribuição de porta em porta. O novo desafio é o de aprender como produzir um copo comestível para seu iogurte, que funcione como mais um complemento nutricional. Já a quarta lição advoga o favorecimento de acionistas orientados ao lucro social. A escolha da Danone é bastante ilustrativa e tangibilizada na desvinculação do funding para a Grameen Danone do mercado de capitais, conferindo o direito aos acionistas da Danone de investir ou não. A última lição de Yunus, porém não a menos importante, aponta para a condição sine qua non de se especificarem claramente os objetivos do lucro social. No momento em que escrevo, acabo de consultar o site Grameen-Danone, de onde me permito reproduzir uma declaração de missão inequívoca: “prover nutrição saudável diária para populações com privações nutricionais em Bangladesh, aliviando a pobreza através da implementação de um modelo de negócios único”.

A minha conclusão é a de que os campos da inovação social e do empreendedorismo social são campos ainda em construção, que demandam mais experiências, mais projetos e mais reflexões. Há (boas) experiências em andamento no Brasil que não devem ser confundidas com a proposta de inovação na base da pirâmide. Contudo, cultivo a minha esperança de um mundo melhor com organizações melhores, porque não aceito mais viver a vida em ilhas de prosperidade cercadas por desigualdades de todos os lados. Eu quero um Brasil melhor para as próximas gerações, e você?

*Por Rivadávia Drummond – CEO da Rivadávia & Associados.

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