“Minha maior conquista é ter a oportunidade de impactar milhares de empreendedores, todos os dias”
Ela está à frente de um dos maiores impérios do setor financeiro e inovação do país, o G2 Capital. É considerada pela Association for Private Capital Investment in Latin America uma das principais investidoras da região. Como um dos tubarões do Shark Tank, ganhou a admiração de milhões de brasileiros que sonham em empreender. Camila Farani é uma gigante – não só nos números. Um dos seus maiores propósitos é apoiar mulheres a vencerem como líderes, empreendedoras e investidoras. Inspire-se na jornada desta grande executiva.
De empreendedora do ramo da alimentação a uma das maiores investidoras do Brasil, sobretudo no que diz respeito a inovação (o Grupo Farani reúne edtechs, invest techs, brand image). Como o universo dos investimentos e da inovação passou a fazer parte da sua vida?
Eu acredito que o entendimento de inovação foi o que me levou para o mundo dos negócios. Minha mãe tinha uma cafeteria e eu sugeri que ela incluísse, no cardápio, a opção de café gelado. Ainda propus que, se o produto aumentasse em 30% a receita do negócio, eu me tornaria sócia. Ela topou! A aceitação do iced coffee foi muito boa, o faturamento cresceu 28% (na trave!), mesmo assim, minha mãe topou me incluir como uma das donas da Tabaco e Cia. E isso aconteceu a partir da inovação que eu trouxe para a operação. Afinal de contas, inovação não precisa ser, necessariamente, uma solução tecnológica, mas sim algo novo, cujo foco seja trazer um resultado diferente, que potencialize a empresa.
A partir dessa sociedade na cafeteria, eu mergulhei nos estudos sobre negócios e me apaixonei loucamente. Nessa época eu li dois livros: “Pai rico, pai pobre” e “Os segredos da mente milionária”, que me fizeram entender a importância de capilarizar as formas de investimento para fazer o dinheiro trabalhar para você. Eu estava muito fascinada por fazer acontecer. Àquela altura, o negócio da família não parava de crescer, se tornou Tabaco Café, e chegou a quatro unidades. E eu identifiquei uma demanda por alimentação saudável – o que me levou a abrir um negócio nesse nicho, aos 26 anos: o Farani Deli Café. Minha ideia era criar um negócio replicável para se tornar uma rede de franquias. No início deu tudo errado! Mas, como eu sempre digo, os erros não são em vão. Eles sempre trazem aprendizados. Assim identifiquei as brechas e, em pouco tempo, tinha fila no meu restaurante. O presidente da Mundo Verde me procurou e foi lá que eu desenvolvi uma visão 360 graus de empreendedorismo, abriu minha mente. Fiquei dois anos lá, mas não estava me sentindo realizada. Foi quando eu descobri que eu sou inquieta demais para ficar dentro de um só negócio. Eu queria olhar para outros mercados. Me demiti do Mundo Verde e, a essa altura, já estava capitalizada, tinha entendido o que era ser executiva… E um amigo me convidou para uma reunião no Gávea Angels, porque tinha uma empresa de e-commerce de cosméticos em que eles queriam investir, mas só tinha homens na mesa. Eles precisavam de uma mulher. Eu fui. E fiquei fascinada. Aquele dia surgiu a Camila investidora, que descobriu vida fora da alimentação.
Apesar de as pesquisas mostrarem que as mulheres geram menos risco e mais retorno aos investimentos, apenas 2,2% do venture capital vão para equipes exclusivamente femininas e 18,5% para times que tenham mulheres na liderança (pesquisa realizada nos EUA pela PitchBook). Quais são os desafios de ser investidora em um ambiente tradicionalmente ocupado por homens e como ampliar a representatividade feminina?
Muitas mulheres – inclusive eu – sofrem com a síndrome da impostora. Pode acontecer com qualquer um, mas, estatisticamente, afeta mais as mulheres, que acabam se autossabotando, por acreditarem que não estão à altura de determinadas funções, trabalhos ou conquistas. E isso acontece, é claro, por questões históricas e culturais, em que, de fato, por muito tempo as mulheres não tinham autonomia e independência para se desenvolverem enquanto profissionais.
O resultado? Um estudo da Universidade de Columbia e da Harvard Business School, por exemplo, apontou que empresas de Venture Capital questionam startups lideradas por mulheres com uma abordagem diferente em comparação às lideradas por homens. Mas como a gente pode tentar mudar essa realidade?
Quando eu cheguei no Shark Tank, por exemplo, sabe qual foi minha reação inicial? “O que eu estou fazendo aqui? Essa cadeira é muito grande para mim!”. Eu copiava as estratégias do [Robinson] Shiba, do China in Box, e ele estava do meu lado! Esse sentimento de que você não deveria estar naquele lugar é muitas vezes baseado em crenças, vivências, até mesmo na sua infância. E o que eu faço para lidar? Uso um recurso que chamo de “deletado”. Aquela comunicação neural que você está emitindo, que faz você se sentir uma impostora… precisa ser deletada. É uma técnica. A gente rompe aquele pensamento e segue em frente, pensando nas soluções.
“Para chegar até aqui, ter experiência para dividir e uma carreira de sucesso, tive que aprender a lidar com os erros.”
Agora, falando sobre como ampliar a representatividade feminina, acho que podemos começar apoiando umas às outras. É o que eu tenho feito através da comunidade Ela Vence. Um espaço que conecta e apoia lideranças femininas, empreendedoras e investidoras. Além disso, podemos incentivar e reverberar práticas de diversidade dentro das empresas, com o foco em resultado: apostar na diversidade de gênero também é mais lucrativo para as empresas, segundo pesquisas de consultorias globais como Mckinsey, HayGroup, Ernst & Young e Accenture. Os estudos mostram que organizações com equipes diversas apresentam colaboradores 17% mais engajados, são 11 vezes mais inovadoras e têm colaboradores seis vezes mais criativos, se comparadas às que não investem em uma cultura mais inclusiva.
Na sua trajetória como investidora, quais foram as suas maiores conquistas e, no caminho oposto, os erros que mais te ensinaram?
Eu acredito que minha maior conquista é ter a oportunidade e o privilégio de impactar, de forma positiva, milhares de empreendedores, todos os dias. Muito mais do que um meio de ganhar dinheiro, eu vejo o empreendedorismo como uma forma de mudar vidas: seja daquela pessoa que está abrindo um negócio ou daquelas que serão impactadas por ele, já que o principal objetivo quando se oferta um serviço ou produto é resolver uma dor da sociedade.
Mas, para chegar até aqui, ter experiência para dividir e uma carreira de sucesso, tive que aprender a lidar com os erros. Principalmente, não me deixar ser derrotada por eles. No primeiro negócio que eu abri do zero, o restaurante de comidas saudáveis que já mencionei, acreditei que tinha encontrado a chave para o sucesso, pois era uma demanda que vinha da cafeteria que eu tinha, junto com a minha mãe. Investi todas as minhas economias, que eram R$280 mil, e trabalhei duro para fazer acontecer. Mas a realidade foi outra. No primeiro mês, as vendas foram decepcionantes, o que se repetiu no segundo e no terceiro. Os clientes entravam no meu estabelecimento perguntando por sorvetes e eu não entendia a razão de não estar atraindo a clientela que eu esperava.
Foi então que percebi que algo estava errado. Eu pedi feedback para os clientes que passavam por lá e eles foram bem francos, dizendo que não gostavam de sanduíche frio, nem de salada pronta – produtos que eu tinha escolhido com objetivo de criar um negócio replicável. Além disso, identifiquei que a arquitetura e as cores do meu restaurante não estavam adequadas ao público que eu queria atender: ele era branco e lilás – daí a confusão com a sorveteria. Pesquisei sobre branding e decidi mudar tudo. Eu peguei lascas de madeira e forrei todo ambiente, coloquei os ingredientes das saladas no balcão para que os clientes montassem a refeição conforme eles queriam. Por fim, imprimi alguns folders e distribuí de porta em porta, nos escritórios próximos ao shopping onde a operação estava instalada. Pronto. Do quarto mês em diante, meu restaurante passou a ter fila.
Poupar e investir são estratégias que vêm crescendo entre os brasileiros (de 2021 até o ano passado, houve um crescimento de 8 milhões de investidores, segundo a Abima). A quais fatores você atribui esse crescimento? Para os executivos e executivas que nos leem, qual conselho você daria para que esses profissionais possam conciliar o papel de liderança e uma boa carteira de investimentos?
Um ponto muito interessante que essa pesquisa da Anbima identificou é que o maior impulso para esse crescimento veio da classe C. Tanto que a poupança ainda é o produto financeiro mais utilizado, conforme o mesmo estudo. Nesse sentido, acredito que a maior disseminação de informações sobre investimentos e educação financeira permitiu que mais pessoas tivessem acesso a conhecimentos básicos sobre o assunto. Além disso, viemos de uma pandemia. Um momento de incerteza, que deixou muita gente com receio de perder emprego, renda e ficar sem nada. Então, acredito que foram dois fatores que impactaram essa mudança de comportamento.
Agora, quando falamos de classe A e B, já ampliamos mais o leque. Então, o primeiro conselho que eu dou é que essa executiva ou esse executivo estude e pesquise as opções: fundos de investimento, títulos privados ou públicos, moedas digitais, ações na bolsa ou venture capital, que é a minha praia. Caso o interesse seja pela última opção, essa pessoa precisa avaliar bem se tem perfil de assumir riscos e buscar startups que estejam dentro de um setor que ela conheça minimamente. Para quem quer começar, eu sugiro um aporte de, no máximo, 10% do portfólio de investimentos.
Para ter investimentos mais assertivos, eu uso a tese dos 3 T’s. São eles:
1) Time: Quem é o fundador ou fundadora? Essa pessoa é uma boa comunicadora, recrutadora e vendedora? Ela está focada no produto e na captação de recursos? Quem é a equipe que compõe a empresa?
2) Tecnologia: Que solução aquele produto ou serviço tem para as dores do mercado? A tecnologia já foi testada e validada? E uma informação muito importante: tem patente?
3) Trincheira: É a capacidade de defesa do negócio. Qual o diferencial competitivo e como se defender dos concorrentes? Pode ser facilmente copiado por outra tecnologia?
Com essas respostas em mãos, o risco diminui um pouco e as chances do investimento se multiplicar ficam muito maiores.
Você é uma grande inspiração para muitos profissionais. Em sua história, quais foram suas principais referências? Você se inspirou em outras pessoas? Quem são elas e por quê?
A primeira referência, sem dúvida nenhuma, é minha mãe. Ela era pedagoga e, depois da morte do meu pai, quando eu e meu irmão ainda éramos crianças, precisou abrir um negócio para sustentar a família. Foi ela que, dessa forma, abriu os caminhos do empreendedorismo para mim.
Além da dona Fátima Farani, eu me inspiro muito em Oprah Winfrey, que muita gente conhece apenas como uma famosa apresentadora, mas ela é também uma grande empreendedora, que compreendeu a importância de encarar os desafios e manter os pés no chão. Como não poderia deixar de ser, uma referência brasileira é a Luiza Helena Trajano e sua poderosa visão do varejo.