Criar um grupo de mentores e pares de confiança ajuda a tomar decisões melhores e a transformar você no protagonista da sua carreira
Quando recebeu o contato de um headhunter oferecendo uma vaga, Rafael Zanon, de 35 anos, ouviu a proposta com atenção. Administrador por formação, ele vinha de uma carreira de seis anos na Vale, onde atuava com planejamento estratégico para a área de logística. O convite era para se tornar consultor de planejamento estratégico na Votorantim Energia – área com a qual nunca tinha atuado. A proposta exigia, também, que ele se mudasse de Vitória, no Espírito Santo, onde estava baseado, para a capital paulista. A sugestão era interessante do ponto de vista de carreira, pois significava um novo desafio e, também, uma promoção.
Mas a decisão não foi simples. Para tomá-la, Rafael fez o que muitos profissionais conscientes têm feito: acionar um conselho pessoal – que nada mais é do que uma rede de pessoas nas quais se confia e que pode dar sugestões e fazer avaliações sobre questões delicadas, como uma mudança de emprego. “Foi uma decisão difícil porque eu tinha um horizonte bom na Vale e correria o risco de atuar em uma área na qual não sou especialista”, diz Rafael. “Por isso, conversei com alguns contatos nos quais confio muito, como um amigo que é diretor de uma multinacional e já foi headhunter, e colegas mais jovens.”
Com várias opiniões na cabeça, Rafael conseguiu fazer uma análise mais completa e aceitou a proposta com tranquilidade. “Levei quase um mês para decidir e conversei com seis pessoas. Isso me ajudou a ter certeza de que estava dando o passo certo”, afirma Rafael.
Quem tem, como Rafael, um time de conselheiros pessoais está um passo à frente, pois se comporta como protagonista da própria carreira. “Se, até um tempo atrás, esse papel era das empresas, hoje, quem tem que direcionar os passos profissionais é o próprio indivíduo”, diz Anderson Sant’Anna, professor de gestão empresarial da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. Nesse sentido, ter um grupo com o qual se possa conversar sobre questões do trabalho é fundamental – afinal, as decisões estão nas suas mãos, e não mais nas mãos do RH da companhia para a qual você trabalha. “Se você for observar as declarações e entrevistas de grandes líderes, vai notar que sempre há a menção a pessoas que foram importantes em suas trajetórias”, diz Adriana Prates, presidente da Dasein Executive Search, empresa de recrutamento executivo, de Belo Horizonte. Essas pessoas nada mais são do que conselheiras individuais.
Ouvidos abertos
Pode parecer algo complexo, mas montar um time de conselheiros que consiga ser acionado facilmente em vários momentos não é tão complicado assim. O primeiro passo é encontrar as pessoas certas dentro do seu círculo de contatos. “No começo, pode ser com a família, ouvindo os parentes que têm opiniões importantes para você”, diz José Augusto Minarelli, sócio da Lens & Minarelli, consultoria de recolocação profissional, de São Paulo. “O importante é não ficar sozinho em momentos difíceis, como os de transição de carreira.”
Para entender quem pode, ou não, ajudar você com opiniões relevantes, é necessário ouvir – só assim você vai perceber quais pessoas são melhores para dar opinião sobre cada assunto específico e vai conseguir criar, aos poucos, uma equipe sólida de conselheiros. Vá lá e converse com as pessoas, sem preconceito. Esse é um modo bastante interessante de criar redes, conhecer diferentes histórias de vida e criar possíveis afinidades.
E isso pode estar em qualquer lugar. É comum, claro, que os profissionais encontrem conselheiros nos locais em que passam mais seu tempo, como no trabalho ou na universidade. Nesses casos, a convivência ajuda a entender quais são as pessoas com as quais você pode contar, quais delas dão abertura para conversas desse tipo e quais podem ajudá-lo em assuntos específicos. A rede é montada naturalmente e, no início, a afinidade pode falar um pouco mais alto. “É preciso encontrar profissionais com valores semelhantes aos seus e, a partir daí, cultivar um relacionamento em que se dá e se recebe”, afirma Andreza Venício, sócia da Fors & Yamaguti, consultoria especializada em coaching, de São Paulo.
Opiniões diversas
Embora o alinhamento com os valores seja importante, é necessário, também, que haja uma diversidade de opiniões entre os conselheiros. Só assim será possível fazer uma análise completa da questão a ser tratada. “A pior coisa que pode acontecer é ter um time que fale apenas o que você quer ouvir”, afirma Anderson. Isso é uma armadilha, pois, para tomar boas decisões é preciso estar atento a diversos fatores – inclusive aqueles que mostram que aquilo que se está propenso a decidir pode ser mais negativo do que positivo.
Rafael Zanon, da Votorantim Energia, fez questão de ouvir seis pessoas de diferentes níveis hierárquicos e idades antes de bater o martelo e mudar de emprego – algumas das opiniões eram bem diferentes entre si. “Havia pessoas dizendo que era arriscado demais assumir uma nova posição em um momento delicado da economia. Outras afirmavam que seria um desafio importante para a minha carreira. Levei essas provocações em consideração antes de dar minha resposta”, diz Rafael.
Claro que só ouvir opiniões variadas não é bastante. É preciso trabalhar o autoconhecimento quando for raciocinar. O bom é que pedir conselhos ajuda a treinar essa competência porque, quanto mais você ouve, mais ferramentas você tem para entender o que quer e o que não quer fazer. Isso aconteceu com Rafael Tchintchicas, de 32 anos, especialista em relacionamento com cliente, vendas e service-desk na área de tecnologia.
Ao longo de sua trajetória, ele conseguiu cultivar uma equipe de conselheiros com os quais conversa, de tempos em tempos, para definir novos rumos de carreira. “Ouvir os outros opinando fez com que eu aprimorasse meu autoconhecimento e entendesse melhor por que eu gostava ou não de determinada coisa”, diz Rafael Tchintchicas. Ele escutou seus conselheiros, por exemplo, para determinar que, agora, era a hora de sair da Salesforce, empresa de TI na qual ficou por dois anos, e direcionar sua carreira para o exterior.
Para isso, dividiu seu desejo com conselheiras muito próximas, como Tatiana Batistella, que foi sua gerente há alguns anos, e Isabel Whitaker, com quem trabalhou na Symantec. Além da amizade que travou com elas, Rafael acredita que os conselhos só são efetivos porque ele mostrou, na época em que trabalhavam lado a lado, que era um profissional no qual valia a pena acreditar. “Não adianta ter só afinidade, você precisa demonstrar resultados para que o outro perceba que você pode se desenvolver”, afirma. “Simpatia não basta, é preciso ter também algum tipo de contrapartida.”
Mão dupla
Algo interessante que costuma acontecer com quem cria conselhos pessoais é que, em algum momento, esse profissional será incluído no rol de conselheiros de outra pessoa. Isso ocorreu com Rafael Tchintchicas, que, hoje, acaba aconselhando outros colegas. “É uma escadinha: quem tem menos experiência do que eu me acessa porque eu dou abertura para esse tipo de coisa”, diz Rafael.
Essa é mesmo a regra básica do relacionamento que dá certo: as trocas e as entregas precisam ser uma via de mão dupla. “Para que o networking funcione, você tem que ter um interesse genuíno no outro, não pode só pedir e nunca querer dar nada em troca”, afirma José Augusto Minarelli. Por isso, quando pedir conselhos, coloque-se à disposição para também aconselhar quando preciso – como você, outras pessoas podem estar sofrendo para dar o próximo passo e precisando da ajuda de alguém. “Uma decisão pode arrasar ou alavancar sua vida, então nutra a sua rede de conselheiros, falando e escutando sempre”, afirma Adriana.
*Por Elisa Tozzi – Revista Você/SA
*Matéria disponível em: https://abr.ai/2tEcW47