Diferenças salariais expostas; mulheres assumindo, pela primeira vez, o comando de países; ruas tomadas por pessoas reivindicando direitos femininos, campanhas que ecoam no mundo inteiro em formato de hashtag. Estamos em 2018 e, apesar de presenciarmos muitos avanços, as mulheres continuam ganhando menos que os homens (ainda que seu nível de escolaridade seja maior); os cargos executivos, em setores públicos ou privados, são massivamente preenchidos por eles; e elas permanecem com sua capacidade de liderar questionada por muitas organizações.
Esses são dados de diversos estudos que representam a realidade das mulheres mundo afora. São também o reflexo de uma sociedade que, ao longo da história, sempre atribuiu responsabilidades diferentes às mulheres e aos homens. Começa na infância (com regras desiguais) e se estende à fase adulta (elas cuidam do lar, da família; eles estudam e geram renda). Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Negócios de Harvard, em 2015, chegou a cogitar que as mulheres não são promovidas por que elas não querem. Será que não querem ou estão imersas em valores sociais que as estimulam a terem outras ambições?
A ausência de mulheres em cargos de liderança não tem a ver com falta de ambição, garante análise do Boston Consulting Group (BCG), uma das mais abrangentes já realizadas. Depois de ouvir 200 mil empregados de 189 países, a consultoria concluiu que elas querem sim fazer parte do alto escalão, mas o ambiente corporativo as fazem desistir deste sonho pelos seguintes motivos:
*Microagressões diárias
*Falta de oportunidade dentro das empresas
*Inexistência de exemplos femininos na liderança
*Políticas pouco inclusivas
Para a professora Flávia Ivar, presidente da instituição Mulheres S.A, iniciativa nacional em prol da igualdade de gênero nas empresas “atualmente as mulheres são provedoras da família e empreendem mais que os homens, mesmo assim elas não têm representatividade social e política”, sublinha. Segundo a dirigente, por muito tempo as profissionais e executivas nem chegavam a refletir sobre essa realidade, mas isso está mudando. “Há hoje uma mobilização da sociedade, de entidades como a que represento, o que vem gerando uma ampla repercussão midiática. Isso está trazendo impactos positivos, a nova geração, por exemplo, está crescendo com um olhar diferente para este problema e as mulheres que estão no mercado há mais tempo têm pensado de forma mais profunda sobre o seu papel na sociedade e nas corporações. Mas muitos questionamentos ainda estão surgindo e são importantes para nós mesmas entendermos o real sentido da nossa luta pela total igualdade entre os gêneros.”
De acordo com a presidente da Dasein, Adriana Prates, a mudança cultural que de fato vai incluir as mulheres em posições de maior importância nas empresas ainda é muito tímida. Campanhas globais como o Paradigm for Parity e a recente Times Up, são importantes para o assunto vir à tona. “Falar de forma mais franca e sistematizada favorece o alinhamento entre discurso e práticas que de fato irão constituir um pilar no qual a pauta ‘mulheres na gestão’ demonstre uma necessidade essencial para empresas que querem crescer de forma inteligente.”
Prates destaca que as mulheres têm habilidades específicas, ênfase de atuação e um modelo mental que só tem a acrescentar a uma gestão mais competitiva e ao mesmo tempo sustentável. Muitas empresas já perceberam isso, principalmente aquelas que querem criar ambientes saudáveis para os profissionais. Essas empresas já precificaram a inclusão das mulheres, criaram mecanismos de incentivos a esse crescimento, vetaram qualquer tipo de discriminação, sobretudo a salarial, que é a mais gritante, e têm, mesmo que de forma isolada, praticando modelos de negócios mais inteligentes e desafiadores no qual as mulheres sentem maior motivação em participar.
Flávia Ivar ressalta que, apesar das mudanças ocorrerem a passos lentos nas organizações, é importante celebrar os bons exemplos, como é o caso do Prêmio WEPs Brasil, que incentiva a igualdade de gênero nas empresas. Realizado pela Itaipu Binacional, o projeto tem o apoio da ONU Mulheres. “A premiação identifica, ainda, que algumas empresas não só têm praticado a igualdade de gêneros, mas estimulam também seus stakeholders a terem a mesma atitude”.A própria Itaipu é um exemplo, já que seus conselhos são compostos por 50% homens e 50% mulheres. Outro bom modelo empresarial, segundo a professora, é o Itaú Unibanco, selecionado para integrar, pelo segundo ano seguido, o Índice de Igualdade de Gênero organizado pela respeitada Bloomberg.
Mas para haver, de fato, uma transformação nas políticas corporativas em favor das mulheres, Ivar defende que a empresa deva colocar em prática medidas como repúdio a comportamentos inadequados, treinamentos com foco na diversidade e implementar formatos de trabalho diferenciados como horários flexíveis. Já o home office, prática defendida por algumas mulheres, é desaconselhada pela dirigente. “Considero o home office uma evolução na forma de trabalho, mas não é uma solução para a igualdade de gênero, pois excluiria, ainda mais, as mulheres do convívio com seus colegas de trabalho.” Ela reforça que muitas profissionais alegam sentir desconforto quando a maioria dos participantes das reuniões ou encontros de negócios são homens e isso precisa ser mudado.
Já Adriana Prates frisa que a igualdade de oportunidades deve ter sua gênese na definição das diretrizes estratégicas de uma organização, sendo validadas pelo conselho de administração. “Essa é a forma legítima de se discutir qual o meio de atrair as mulheres para os postos de comando, de possibilitar o crescimento exponencial de sua carreira sem limites para voar mais alto, surpreendendo acionistas e contratantes. Políticas que possibilitem o uso de sua versatilidade e sensibilidade para conduzir projetos com a visão sistêmica, trazendo para as organizações elementos chave, que vão enriquecer o papel organizacional, social e competitivo das empresas.”
A presidente da Dasein acredita que, daqui para frente, a velocidade das mudanças será maior. “As novas gerações que estão chegando ao poder, como os millennials, têm mais equilíbrio e exergam de forma natural a ascensão da mulher aos cargos de mais importância nas empresas. Para eles a igualdade de gênero é mais natural e assim deve ser. As gerações anteriores, com as velhas práticas e teorias, estão se aposentando aos poucos e junto com elas essa forma insegura e preconceituosa de não ver na mulher a capacidade de realização que ela tem.”
Repense atitudes e raciocínios
Filhos não reduzem ambição por cargos altos
Os filhos não interferem no nível de ambição das mulheres. Com ou sem crianças, elas querem agarrar as oportunidades de liderança, afirma o estudo do BCG.
O exemplo faz toda a diferença
Mulheres que trabalham em organizações com líderes femininas se sentem mais motivadas a conquistarem cargos elevados.
Ser ambiciosa e determinada não é suficiente
No livro “Faça acontecer: mulheres, trabalho e a vontade de liderar”, a autora Sheryl Sandberg, chefe operacional do Facebook, incita as mulheres a se esforçarem e terem mais atitude para sua carreira deslanchar. Porém, a pesquisa da BCG e especialistas americanos fazem uma crítica à autora. Segundo eles, isso geraria casos de sucesso isolados, para um público muito restrito. O ideal é exigir mudança não só da postura feminina, mas sim das corporações, demandando estruturas, políticas e oportunidades mais igualitárias.