Solicite uma proposta
yFechar menu
Não encontrou?

Pesquisar...

Novos caminhos no recrutamento

Quais os limites da tecnologia no recrutamento?

 

Um acontecimento recente colocou a Albânia, um pequeno país na região dos Bálcãs, nos holofotes mundiais: pela primeira vez, uma nação nomeara uma ministra virtual para integrar sua cúpula de líderes. O intuito, segundo dirigentes do país, seria eliminar fraudes e evitar erros contratuais. Imparcial e sem vieses inconscientes, a máquina traria decisões certas, sem beneficiar A ou B.

O caso chamou a atenção por diversas razões. Para uns, pelo ineditismo e ousadia; para outros, pela negligência – a ministra virtual, como toda máquina, foi programada por um humano (com seus vieses) e representaria uma nova forma de legitimar erros e preconceitos antigos.

Nas empresas, tal advento também gerou reflexões. Tanto pelo uso dos assistentes virtuais, quanto pelo crescimento de ferramentas de IA e do LinkedIn em processos seletivos, sob pretexto da imparcialidade. Entre os defensores da tecnologia para recrutamento, está Roz Francuz-Harris, VP de Atração de Talentos na Zillow (ex-diretor de talentos da IBM e do Uber). Segundo ele, a automação consegue tornar o processo de contratação mais objetivo, eficiente e os recrutadores podem dedicar mais tempo aos relacionamentos e a tomada de decisões estratégicas.

O argumento faz sentido, até certo ponto, destaca Daniel Rezende, diretor da Dasein EMA Partners Brasil. Para ele, a inteligência artificial e o LinkedIn podem, de fato, aumentar a eficiência operacional no recrutamento, especialmente nas etapas iniciais. Elas reduzem tempo e custos ao automatizar processos como triagem de currículos, cruzamento de palavras-chave, análise de compatibilidade técnica e até checagens de histórico profissional. Isso permite que os recrutadores se dediquem mais à compreensão do contexto cultural das empresas e alinhamento com lideranças.

“Apesar da eficiência, esse raciocínio tem limitações quando falamos de recrutamento executivo. Nessa esfera, a tomada de decisão envolve nuances que a IA não é capaz de captar, como soft skills difíceis de quantificar, o contexto organizacional envolvendo compreender a cultura, momento da empresa e expectativas do board, bem como avaliar histórias profissionais complexas que envolvam carreiras não lineares ou que não se encaixam em filtros automatizados.”

Para a seleção executiva, o papel humano é insubstituível. “É por meio do repertório humano que recrutadores conseguem ler entrelinhas do discurso dos candidatos, avaliar potencial de liderança em contextos desafiadores ou entender motivações, ambições e valores pessoais que vão além do currículo. Devemos considerar a IA como uma grande aliada para otimizar o processo, mas a dimensão relacional e estratégica do recrutamento ainda depende da sensibilidade e do julgamento humano.”

O viés algorítmico

A Unilever, gigante dos bens de consumo, divulgou um dado recente de seus processos seletivos: a empresa, que contrata por ano mais de 30 mil pessoas e avalia cerca de 1,8 milhão de currículos, aumentou em 16% a diversidade dos contratados por meio de ferramentas de IA.

Daniel Rezende é diretor da Dasein EMA Partners Brasil.

O modelo automatizado, de fato, apresenta vantagens em casos de companhias com alto volume de contratações. Oferece ganhos relevantes de escala e permite que milhares de candidatos sejam avaliados de forma mais rápida e objetiva. Todavia, isso não afasta os riscos, como a homogeneização trazida por filtros de tecnologia – o viés algorítmico.

De acordo com Daniel Rezende, quando o filtro tecnológico é determinante, ele pode criar homogeneização de perfis, eliminando candidatos que trazem diferenciais menos evidentes para o algoritmo. “Organizações que se apoiam em sistemas de IA para processos seletivos, triagem automática de currículos, análise de entrevistas em vídeo, ranking de candidatos, correm um risco grave: transferir para a máquina os preconceitos humanos e torná-los mais sutis e sistemáticos”.

É muito comum que os dados históricos sejam carregados de desigualdades estruturais e os algoritmos aprendem com esses dados do passado, explica o dirigente. “Se esse passado contém discriminações (por exemplo: poucas mulheres em cargos de liderança, menos candidatos de determinadas raças ou regiões), a IA vai aprender que esse é o padrão ideal e isso irá reforçar as exclusões. Mesmo que o algoritmo não veja gênero, raça, idade ou outras características protegidas, ele pode usar variáveis correlacionadas, como nome da universidade, cidades de residência, períodos de inatividade, o que reproduz discriminação indireta.”

Outro problema são os filtros preferenciais criados automaticamente pela IA. Eles priorizam candidatos com traços similares aos já contratados ou favorecem históricos profissionais muito tradicionais. Rezende alerta que esses filtros acabam penalizando trajetórias atípicas, que muitas vezes representam superação, e poderiam agregar à empresa.

Além disso, esse filtro embutido em sistemas automatizados dificulta que os candidatos saibam por que foram rejeitados. “A discriminação torna-se ‘invisível’, já que muitas ferramentas de IA não explicam claramente por que um candidato é descartado e isso dificulta auditoria, contestação ou correção de decisões injustas.”

Decisões enviesadas

Estudos recentes mostram que, mesmo quando os recrutadores desprezam a recomendação da IA, eles tendem a se submeter, inconscientemente, ao viés embutido na sugestão algorítmica. Ou seja, a influência da máquina induz a tomada de decisões enviesadas, mesmo que essa não seja a vontade dos recrutadores.

“A inteligência artificial deve ser vista como apoio. É o recrutador humano quem garante justiça, diversidade e alinhamento cultural, complementando a objetividade da máquina. Delegar por completo um processo tão sensível como o recrutamento à automação é arriscado, porque a máquina não enxerga as nuances – e elas podem ser determinantes em um processo seletivo.”

A pessoa por trás do currículo

No recrutamento executivo, cada entrevista é única. Olhar apenas para competências técnicas ou resultados passados é insuficiente. Para Adriana Prates, CEO da Dasein EMA Partners Brasil, o diferencial está em compreender quem é a pessoa por trás do currículo, suas motivações, seus valores, como ela reage diante de desafios e o que a move em sua trajetória. Segundo ela, cada entrevista é uma oportunidade de revelar o padrão de coerência entre a história pessoal e a forma como o profissional atua no mundo corporativo. Para isso, são necessárias características intrínsecas ao ser humano: repertório e sensibilidade.

“Quando mergulhamos na narrativa de vida, enxergamos as forças que moldaram a liderança: que a inspira, o que a desafia e como constrói sentido no trabalho. É nesse nível que o match acontece, não apenas na compatibilidade de funções ou resultados esperados, mas na sintonia entre propósito individual e propósito organizacional.”

Prates ressalta que essa abordagem humana e investigativa amplia as chances de uma parceria sustentável, de longo prazo, porque identifica o ponto de convergência entre a cultura da empresa e o modo autêntico de ser e liderar do executivo. “Falamos tanto da importância do engajamento e pertencimento, nada mais importante que a coerência entre história, essência e papel profissional.”

Trajetória e ambição

No recrutamento executivo, avaliar a trajetória do candidato é um passo importante, mas o que vem pela frente também. É preciso colocar na balança os aprendizados, impactos gerados e a ambição – é o equilíbrio entre esses dois aspectos que realmente importa. “Os aprendizados demonstram consistência e capacidade de realização; a ambição e a visão de futuro, por sua vez, revelam vitalidade, curiosidade e potencial de reinvenção, competências essenciais em um mundo em transformação. ”

Adriana Prates é CEO da Dasein EMA Partners Brasil.

“Um líder que apenas reproduz o que já sabe tende a se tornar previsível. Já aquele que carrega uma visão viva do que deseja construir, sustentada por aprendizados sólidos, é capaz de inspirar, inovar e conduzir pessoas para novos patamares. Por isso, buscamos compreender não apenas o que o executivo fez, mas como ele pensa o que ainda vai fazer. O valor está na coerência entre sua trajetória, sua visão e a energia que o move para o futuro.”

A Dasein, como lembra Adriana Prates, é especialista na identificação da capacidade humana instalada, em que se verifica a capacidade potencial atual e futura dos participantes. “Temos um grau de exatidão bem elevado – acima dos 98% – e os nossos clientes se beneficiam muito disso.”

Desafios que agregam

Em um cenário onde as habilidades comportamentais são tão importantes quanto as habilidades técnicas, entender quais desafios foram enfrentados e como o executivo fez para superá-los é um caminho usado pelos recrutadores – essa é uma das formas mais reveladoras de conhecer a essência do candidato.

É nesse terreno que as competências comportamentais se manifestam com mais clareza, lembra Prates. “Quando o recrutador convida o executivo a revisitar momentos desafiadores, ele não está apenas colhendo fatos, mas investigando padrões de comportamento: como esse líder pensa, sente e age diante do imprevisto. Essa escuta permite identificar se o estilo de liderança é coerente com a cultura e os desafios da organização.”

Importante ressaltar, segundo Prates, que as habilidades técnicas podem ser aprendidas e atualizadas. Já as comportamentais são mais enraizadas, nascem da história, das crenças e da forma como o profissional se relaciona com o mundo. Por isso, a CEO considera fundamental compreender a jornada e as superações do candidato.

Impactos na carreira de jovens recrutadores

Os impactos da inteligência artificial nos processos de seleção vão além do candidato em si: envolvem também os recrutadores, sobretudo os jovens profissionais, como revela pesquisa da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária – FEA/USP. De acordo com o estudo, as mudanças trazidas pela IA têm levado recrutadores a se subestimarem e questionarem se são capazes de identificar habilidades sem auxílio da tecnologia.

Rebeca Prates é analista de recrutamento da Dasein EMA Partners Brasil.

Rebeca Prates, analista de recrutamento executivo da Dasein e representante da nova geração profissional, tem um olhar mais ponderado sobre a questão. Para ela, por mais que a tecnologia avance, o olhar humano, ao lado dos ensinamentos da psicologia, são dimensões que a IA dificilmente conseguirá reproduzir com fidelidade.

“Nossas escolhas na seleção envolvem percepção, subjetividade, intuição, que são construídos por meio de experiências, estudo e convivência. Esse feeling é único em cada profissional. Aqueles que somam esse feeling a uma boa formação e a mentorias que ajudem a lapidar esse olhar não precisam se subestimar, mas devem compreender mais sobre as tecnologias para saber usá-las como suporte. Automatizar burocracias e tarefas operacionais libera tempo e energia para o trabalho subjetivo e estratégico, que é justamente onde reside o maior valor do recrutador.”

Uma conduta usada pela  analista, para citar um exemplo prático, gira em torno das conversas com os candidatos. “Durante uma entrevista de duas horas, anotar manualmente pode fazer o recrutador perder detalhes importantes. Se a IA automatiza esse registro, ele pode estar 100% presente na conversa, captando nuances e sinais sutis do candidato. Nesse cenário, a tecnologia não substitui o julgamento humano, mas o potencializa.”

A criação dos próprios filtros

Outro aspecto da automação que tem chamado atenção de jovens recrutadores é a possibilidade de participar do desenvolvimento de ferramentas e filtros próprios – o que tem gerado benefícios para o processo de seleção e também para a valorização do profissional que está recrutando.

Para Rebeca Prates, esse é o caminho mais promissor. “Quando o próprio recrutador participa do desenho das ferramentas, ele consegue direcionar a IA para atender às reais necessidades do processo, reforçando seu papel estratégico. Isso não só melhora a qualidade das seleções, mas também valoriza o profissional que recruta, pois evidencia seu protagonismo e seu domínio tanto do aspecto humano quanto do tecnológico.”

 

Como se destacar em um processo de recrutamento executivo?

Autenticidade. Em processos executivos, não há espaço para personagens; o que diferencia um candidato é a coerência entre o que ele diz, o que viveu e o que demonstra ser capaz de construir. O recrutador experiente percebe rapidamente quando há uma distância entre o discurso e a essência.

Clareza de propósito. Um executivo que sabe por que faz o que faz, e o que busca realizar no próximo ciclo da carreira, comunica com consistência, inspira confiança e se conecta de forma genuína com a cultura da empresa.

Autoconhecimento. Faz diferença a capacidade de refletir sobre a própria trajetória, reconhecer aprendizados, erros e momentos de virada. Essa autopercepção revela maturidade e inteligência emocional.

Habilidades de escuta. Os melhores candidatos não são apenas bons em falar sobre si, mas em compreender o que a empresa precisa. Escutar com atenção é o primeiro passo para construir pontes e enxergar se há um verdadeiro encontro entre expectativas e propósitos.

Pontos positivos da automação no recrutamento

Eficiência operacional: a IA e plataformas como o LinkedIn conseguem processar volumes enormes de candidaturas em pouco tempo, reduzindo custos e etapas burocráticas.

Mais alcance: as ferramentas conectam empresas a talentos em escala global.

Tempo de qualidade: a grande vantagem da automação é liberar tempo para que os profissionais de seleção se concentrem em atividades mais estratégicas e relacionais.

Pontos negativos da automação no recrutamento

Viés algorítmico: pode reforçar desigualdades históricas e gerar exclusão de grupos minorizados.

Perda de humanidade: a tecnologia não capta nuances como propósito, valores, empatia ou capacidade de liderança em contextos complexos.

Falta de transparência: por meio da IA, é difícil compreender por que um candidato foi rejeitado, prejudicando a confiança no processo.

Conteúdos

Relacionados

Quer ser um líder extraordinário? Aposte na humildade

Quer ser um líder extraordinário? Aposte na humildade

Quando pensamos na imagem de um grande líder, muitas...
10 min de leitura
Vivendo no paradoxo do equilíbrio da liderança: três dicas estratégicas

Vivendo no paradoxo do equilíbrio da liderança: três dicas estratégicas

*Por Lee Ellis A tentação existe para todos nós,...
5 min de leitura
Receba novidades

Newsletter

Para acompanhar nossas novidades, insights e outros formatos de conteúdo, cadastre-se e siga conosco. Será um prazer ter a sua companhia nessa jornada.