De promessa longínqua para muitas companhias, a revolução digital precisou acontecer, digamos “às pressas”, em empresas do mundo todo devido à pandemia da Covid-19. Visando a continuidade dos negócios, foram necessários grandes investimentos em digitalização nos últimos meses como mostra pesquisa da UiPath e Forrester Consulting realizada com 160 executivos à frente de organizações de cinco países – Alemanhã, França, EUA, Japão e Reino Unido.
O que foi motivo de celebração para alguns, mostrou-se uma ameaça para muitos: o mesmo estudo revelou que 57% dos colaboradores dessas empresas alegaram se sentir mais ansiosos e estressados por temerem um impacto negativo na permanência de seus empregos. Estava delineado um novo cenário desafiador para as lideranças – afinal, como conduzir a automação e, ao mesmo tempo, manter a motivação e produtividade dos colaboradores?
De acordo com Luzete Campolina, head de Operações da Dasein, o resultado da pesquisa diz respeito à dinâmica de funcionamento do ser humano – o que deve ser levando em consideração pelas lideranças. “Frente a incertezas ou ameaças, a pessoa tende a assumir uma maior reatividade e até mesmo adoecimento”, diz. Considerando esta premissa, ela explica que muitas empresas já estão assumindo um processo chamado “change management” que tem por objetivo, como o próprio nome diz, fazer a gestão das mudanças considerando os diversos públicos existentes e os impactos levantados.
“Uma importante frente desta metodologia é o mapeamento dos impactos e as tratativas a serem feitas, que podem ser diversas. No caso aqui discutido, poderíamos considerar uma comunicação mais alinhada e direta junto ao público impactado, treinamentos para garantir uma readequação à nova realidade, estudos de realocação de colaboradores, acolhimento junto àqueles que apresentarem nível maior de ansiedade ou até mesmo depressão frente ao inevitável cenário de mudanças. Seguindo tais medidas, é possível amenizar os impactos, mas não impedir que eles aconteçam.”
Daniel Rezende, diretor da Dasein, reforça que toda mudança tem potencial para causar ansiedade e estresse por mexer com a zona de conforto das pessoas. Uma forma de lidar com esse tipo de reação é mostrar para as pessoas o que elas têm a ganhar com essas mudanças.
“Falhar em traduzir esse processo em termos ganhos pessoais para os colaboradores é o que gera insatisfação, desinteresse e inércia por parte deles. Isso também pode gerar insegurança, medo ou mesmo baixar a autoestima e criar um ambiente de não pertencimento.”
Segundo ele, os líderes devem ser bons comunicadores, além de bons formadores de pessoas. “Uma atitude aberta ao diálogo, à transparência e integridade são essenciais. O respeito e empatia ajudam e fazem com que as relações sejam sempre positivas e honestas. Criar propósito e pertencimento é o que fará a diferença para as pessoas em momentos de adversidade e desafios.”
Incentivo na prática: como mostrar aos colaboradores os benefícios da digitalização?
O primeiro passo é compreender a digitalização como um caminho rumo à evolução e um ganho para todos envolvidos: colaboradores, empresas e sociedade. Depois de entender a importância e benefícios do digital, é essencial continuar aprendendo, se atualizando – o que vale também para as lideranças. Exemplos práticos de “mão na massa” são ótimas formas de estimular e engajar equipes.
Daniel Rezende também destaca que, além de treinamentos de capacitação técnica/prática sobre o campo virtual, é importante incentivar a realização de cursos e treinamentos voltados ao desenvolvimento de novas competências e comportamentos frente aos desafios do digital.
“O público interno é o motor da organização. Se ele não estiver sempre bem cuidado, não irá funcionar a plena potência. Meu conselho para as empresas é que cuidem bem das pessoas para que elas saibam cuidar bem dos seus clientes e do seu negócio, independente de cenários de mudanças e de épocas. Recrutar e treinar bem é, e sempre será, o melhor investimento e estratégia para o sucesso e sustentabilidade dos negócios.”
A importância de fazer uma análise mais crítica, pesando os prós e contras
Diante de impactos econômicos sem precedentes, causados pela pandemia de Coronavírus, houve queda história no número de postos de trabalho. De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na América Latina e Caribe a taxa de desemprego deve subir de 8% para 12,3%. O máximo de majoração da desocupação na região havia sido registrado no fim dos anos 1990 em função da crise asiática, atingindo 9,2%, bem abaixo do patamar estimado para 2020.
Para Luzete Campolina, essa é também uma razão para o aumento da digitalização das empresas. “Foi a forma encontrada por muitas empresas para a própria sobrevivência frente ao cenário estabelecido pela pandemia. Se isso não ocorresse, o impacto no mundo do trabalho com desemprego seria ainda maior, pois se corria o risco de muitas empresas fecharem as portas.”
Pensando nisso, a dirigente ressalta a importância de fazer uma análise mais crítica, não enxergando tudo como só positivo ou negativo. “Precisamos olhar para os diversos pontos de vista envolvidos. Temos um lado positivo do uso da tecnologia para a sobrevivência das empresas e com isso a manutenção de muitos empregos e a criação de vários outros, antes não previstos. Por outro lado, veremos a substituição de funções que se tornarão obsoletas ou que poderão ser preenchidas pela tecnologia, como já presenciamos ao longo das últimas décadas, o que não é bem um movimento novo, ele foi apenas acelerado.”
Em relação ao cenário econômico como um todo, em geral, quando acontecem grandes crises, a retomada é lenta, pode levar anos, exigindo grande esforço de todos os agentes envolvidos. Luzete destaca que a crise de 1990, citada do relatório da OIT, por exemplo, demorou 23 anos para a recuperação dos índices do mercado do trabalho. “Frente a tais constatações, os trabalhadores não devem ficar aguardando apenas as soluções propostas por empresas, governos ou outros agentes. É hora de colocar em prática a capacidade humana de se reinventar, de enxergar o que pode, a princípio, não ser óbvio.”
Segundo ela, ficar atento aos movimentos do mercado para perceber as novas oportunidades é algo fundamental, o que muitos brasileiros têm feito, inclusive. De acordo com dados publicados pela Forbes, entre 7 de março e 4 de julho deste ano, o Portal do Empreendedor registrou 551.153 novos microempreendedores no país, 16.788 a mais do que no mesmo período de 2019. Esse é um exemplo prático de reinvenção e de olhar para o lado positivo, mirando em novas chances.