Deixar a disputa de lado e investir em uma convivência saudável com um adversário pode render lições surpreendentes
No esporte, Rafael Nadal e Roger Federer , atualmente números 1 e 2 no ranking mundial da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP), alimentam uma rivalidade que dura mais de uma década e já se enfrentaram dezenas de vezes em lados opostos da rede. Em setembro deste ano, o espanhol e o suíço dividiram a quadra de um jeito inusitado: em vez de adversários, foram companheiros em uma partida de duplas da Laver Cup, torneio amistoso que aconteceu em Praga, na República Tcheca. Eles venceram por 2 sets a 1 uma das duplas americanas em um jogo tão aguardado quanto suado.
Fora da quadra, os atletas são amigos e fãs um do outro. Na competição, encenaram o que no dia a dia de trabalho é rotina, embora nem todo mundo se dê conta: aquele adversário profissional (seja o colega da empresa concorrente, seja seu vizinho de baia no escritório, com quem você está sempre disputando visibilidade e reconhecimento) pode ser um grande aliado de seu sucesso.
Que fique claro: a disputa predatória por posições ou promoções, que ainda reina nas empresas mais conservadoras, está fadada a desaparecer. Na realidade dos negócios modernos, “colaboração” é a palavra de ordem. Compartilhar recursos e conhecimento, oferecer e pedir ajuda e comemorar juntos as conquistas são atitudes de uma concorrência colaborativa, que se baseia no respeito, na ética e na sustentabilidade do negócio, sem precisar deixar de lado a preocupação com o lucro. “Cada vez mais, o que se defende é que ninguém precisa pisar no oponente para conquistar um lugar de destaque”, diz o coach Nélio Bilate, da NB Heart, consultoria de São Paulo. “A competição saudável é o que leva à evolução constante de indivíduos e corporações.”
A “coopetição”, termo difundido nos anos 90 para descrever estratégias de negócios que valorizam a atuação conjunta de pessoas e organizações a fim de gerar oportunidades positivas para todos os envolvidos, nunca foi tão atual. Gigantes do setor automobilístico e de tecnologia, por exemplo, já praticam a teoria, unindo-se no desenvolvimento de soluções com mais agilidade e menos custos. Entre pessoas físicas, o lucro também é certo. Descubra aprendizados valiosos, de vida e de carreira, que podem surgir dessa parceria tão rica.
- O RIVAL É SEU TRAMPOLIM: Numa entrevista após a vitória na Laver Cup, Roger Federer reforçou a importância do rival espanhol para sua carreira. “Nadal sempre foi minha maior inspiração, pelas jogadas e pela intensidade em quadra. Tive de reinventar completamente meu jogo para enfrentá-lo, de modo que devo parte do meu sucesso a ele”, disse. Quando o adversário a ser vencido é uma empresa concorrente, o profissional a seu lado no escritório ou outro candidato no processo de seleção, a lição também é válida. “Enxergar algo que você ainda precisa desenvolver deve ser a deixa para buscar novos aprendizados e aperfeiçoamento”, diz Maria Candida Baumer de Azevedo, da People & Results, consultoria de carreira, de São Paulo.
- GANHAR NÃO É TUDO: Perseguir a todo custo o posto mais alto do pódio (ou de maior destaque no trabalho) quase sempre é certeza de uma vida estressante e, de certo modo, limitada e solitária. Focar seus esforços para estar entre os melhores, não importa quantos estejam acima, parece mais negócio. “Quando você elimina a comparação com os outros e diminui o nível de exigência consigo mesmo, fica livre para agir de acordo com sua verdade e cresce de forma construtiva sem o sofrimento de ter de ser melhor do que alguém”, diz Adriana Prates, presidente da Dasein Executive Search, consultoria de recrutamento, de Belo Horizonte.
NINGUÉM VENCE SOZINHO: No esporte, só há competição porque há oponentes. Na vida corporativa, por sua vez, toda vitória é conquista de um time. “Somar visões de mundo, habilidades e estilos diferentes de trabalho ajuda a lidar com processos e projetos complexos e a encontrar soluções que um profissional, sozinho, talvez não conseguisse”, diz Nélio. Nem os líderes são autossuficientes. Um gestor deve equilibrar e estimular potencialidades, de modo a incluir todos os talentos — assim como um treinador eficiente.
CONFLITOS FAZEM CRESCER: Ambientes corporativos hostis, em que se incentiva um cabo de guerra diário, ainda existem. Se você trabalha num lugar assim, mas não pretende fazer o jogo do predador, precisa se adaptar para não virar presa. “Autocontrole, paciência, resiliência e resistência a frustrações são emoções a ser trabalhadas para não acabar desmotivado ou doente”, afirma Adriana. No fim, todas essas qualidades fazem de qualquer pessoa um ser humano melhor.
- NOVAS FERRAMENTAS DE TRABALHO: Na partida em que jogaram em dupla, Federer e Nadal colocaram em prática habilidades que não necessariamente acessam nas partidas de simples, nas quais são reis. O interesse pelo outro e a convivência amistosa com a concorrência têm dessas coisas: obrigam à adaptação, expandem o repertório, geram autoconhecimento, somam competências ao arsenal técnico e intelectual. E, quanto mais ferramentas você tem à mão, mais preparado fica para enfrentar desafios e se destacar.
ERRO TAMBÉM É APRENDIZADO: O colega da baia ao lado que está sempre atrasado na entrega das tarefas ou que se comunica de modo ríspido com a equipe também pode ser uma inspiração sobre como não agir. “Observar com atenção as ações e as escolhas do concorrente ou do parceiro de time traz insights importantes do que deve ser evitado para obter bons resultados”, diz Adriana. De quebra, você aprende a olhar para si mesmo e para suas qualidades de modo mais acolhedor, sem achar o outro uma ameaça.
- OUTRO ÂNGULO: Conhecer o jogo da concorrência é básico para o sucesso de qualquer negócio. Imagine duas empresas do mesmo segmento: uma que investe pesado em tecnologia para desenvolver seus produtos e outra que foca o apelo emocional para alavancar as vendas. Colocar-se no lugar do adversário é uma maneira de olhar o cliente de outro ponto de vista e captar informações que não se tinha sobre ele para, então, aprimorar o relacionamento e o serviço oferecido.
“Nadal sempre foi minha maior inspiração, pelas jogadas e pela intensidade em quadra. Tive de reinventar completamente meu jogo para enfrentá-lo, de modo que devo parte do meu sucesso a ele”, Roger Federer.
Por: Marcia Di Domenico – Revista Você S/A
Reportagem disponível em: https://abr.ai/2AXwKAE