“Todo ser humano é capaz de se desenvolver, desde que lhe sejam oferecidas as condições necessárias.”
Nos idos de 1993, Alcione Albanesi, então CEO da FLC, líder no mercado brasileiro de lâmpadas, pisou pela primeira vez no sertão nordestino. Ela havia reunido 20 amigos para promoverem um Natal solidário em povoados do semiárido, no estado de Pernambuco. Caatinga adentro, ela se deparou com um cenário desolador, que transformaria seu olhar, a sua vida e o futuro de milhares de pessoas. Nascera ali, em plena terra seca, a primeira semente da Amigos do Bem, uma das maiores e mais respeitadas organizações brasileiras dedicadas à transformação social. Três décadas depois, além da assistência imediata e necessária, a entidade vem quebrando o ciclo da miséria por meio da educação, da capacitação profissional, do respeito e acolhimento a quem mais precisa. Conheça mais desta história.
Criada há 30 anos, os Amigos do Bem começaram com a doação de alimentos para o sertão de Alagoas, Pernambuco e Ceará. Hoje, mais de 150 mil pessoas são beneficiadas mensalmente por meio da educação, da geração de renda, saúde e nutrição. Nestas três décadas de atuação, quais foram as principais mudanças que o projeto trouxe para a região e seu povo?
Ao longo de três décadas, nossa instituição transformou a vida de mais de 150 mil pessoas. Criamos um modelo de transformação que promove uma mudança efetiva, com projetos autossustentáveis capazes de promover o desenvolvimento local e a inclusão social, erradicando a fome e a miséria. Com projetos que levam educação para mais de 10 mil crianças, geração de emprego e de renda, saúde, água, infraestrutura, entre outras frentes de trabalho, buscando dignidade e autonomia para as comunidades. Criamos quatro Cidades do Bem, com infraestrutura completa, com centros de saúde, consultórios, 543 casas construídas, escolas, poços e cisternas que atendem mais de 300 povoados.
Quem tem fome não é livre, quem não sabe ler e escrever também não é livre. Tem que ter o que comer para estudar. Tem que ter educação para trabalhar. Atualmente, atendemos mais de 10 mil alunos em quatro escolas de tempo integral e nos quatro Centros de Transformação (CTs). Desenvolvemos projetos que atendem o indivíduo desde a primeira infância até o idoso. Nossas iniciativas vão além da assistência humanitária; estamos levando educação e oportunidades em uma região onde milhões de brasileiros ainda sobrevivem da roça seca. A Escola Amigos do Bem, em Inajá (PE), é um exemplo de como podemos transformar a vida de milhares de pessoas: de uma nota de 3,5 no IDEB há dez anos, alcançamos 9,2 em 2024, mostrando que a educação pode ser uma poderosa ferramenta de mudança.
Temos 15 unidades produtivas para gerar renda. Construímos duas fábricas de beneficiamento de castanha de caju no sertão de Pernambuco e do Ceará, além de duas fábricas de pimentas e doces e seis oficinas com 300 máquinas de costura que ficam no sertão nordestino. Ao todo, geramos emprego para mais de 1,5 mil pessoas no sertão nordestino.
Mas só conseguimos tudo isso com a ajuda de milhares de amigos, empresas amigas e mais de 10 mil voluntários comprometidos com a transformação de vidas fazendo parte dessa corrente do bem.
Base do desenvolvimento humano, a educação é a melhor forma de mudar a vida de jovens em situação de vulnerabilidade e de inseri-los no mercado de trabalho. No entanto, muitos jovens aptos perdem oportunidades para a discriminação. De líder para líder: como quebrar a barreira do preconceito nas empresas e sensibilizar lideranças para essa causa?
Sabemos que as oportunidades nunca são iguais para todos, mas o Brasil está entre os países mais desiguais do mundo, com um dos maiores Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. As famílias que atendemos no sertão são constituídas de cerca de 90% de pessoas pretas, pardas ou indígenas. A miséria e o abandono desta região são resultado de séculos de descaso de todos nós brasileiros e precisamos agir dentro de nossas possibilidades individuais ou institucionais para quebrar as barreiras do preconceito e da desigualdade na sociedade e nas empresas. Acreditamos que todo ser humano é capaz de se desenvolver, desde que lhe sejam oferecidas as condições necessárias e é o que temos buscado fazer em nosso trabalho ao longo dessas três décadas.
Temos testemunhado o poder transformador da inclusão e da educação na vida de jovens em situação de extrema vulnerabilidade. Nosso projeto vai além da assistência imediata; ele é uma estratégia de desenvolvimento que busca capacitar essas crianças e jovens para que eles possam moldar seu próprio futuro e o de suas comunidades. Acreditamos que uma visão 360° é essencial para promover mudanças duradouras.
Sensibilizar lideranças para a inclusão requer empatia e ações concretas. As histórias de jovens, homens e mulheres que superaram desafios e que tiveram suas vidas transformadas é uma forma poderosa de motivar mudanças. O engajamento das empresas em ações de responsabilidade social demonstra que o compromisso com a sustentabilidade vai além do discurso. Essa transformação começa hoje e depende de uma ação coletiva.
O Amigos do Bem integra o Pacto Global da ONU no Brasil e tem como missão mobilizar a comunidade empresarial na adoção e promoção de dez princípios universalmente aceitos nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Como está ocorrendo esse diálogo com a iniciativa privada?
Quando iniciamos nosso trabalho, poucas empresas apoiavam iniciativas sociais. Tudo era muito difícil. A pandemia acelerou o movimento de responsabilidade social nas companhias, que passaram a enxergar o ESG como um recurso importante para o avanço do negócio da sociedade. Hoje, as empresas nos procuram pelos nossos 30 anos de história e pelo projeto concreto de transformação que, com a ajuda de milhares de amigos, realizamos. Temos uma atuação 360 e atendemos 12 dos 17 Objetivos de desenvolvimento da ONU.
Temos sido o “S” de muitas empresas nas ações de sustentabilidade, pelo impacto positivo que temos promovido nas regiões onde atuamos. Pela nossa experiência e resultado, tive a alegria de ser convidada para ser a representante do ODS1, de Erradicação da Pobreza, do Pacto Global da ONU no Brasil. Métricas de desempenho e transformação, transparência e governança são fundamentais. Desde 2015 somos auditados pela EY.
Fazendo uma retrospectiva da sua jornada, quais foram os principais erros e os acertos que mais a ensinaram e que podem inspirar outros empresários?
Em 1992, fundei a minha empresa que se tornou líder de mercado no país, com quase 40% de market share no setor de lâmpadas. Em 1993, fiz minha primeira viagem ao sertão nordestino e nunca mais deixei de ajudar.
Durante anos, conciliei meu trabalho profissional com meu projeto social, mas, em 2014, decidi vender a minha empresa para me dedicar exclusivamente, e de forma voluntária, aos Amigos do Bem. Foi uma decisão muito difícil e ao mesmo tempo muito consciente. Sou muito feliz com esta decisão e grata pela oportunidade de fazer um pouco pelo meu país.
Como empresária, enfrentei desafios macroeconômicos, erros de compras na China, um mercado masculino em que quase não existiam mulheres. Imagina liderar um segmento dominado por homens e por multinacionais, como Philips e Osram, por exemplo. Não foi tarefa fácil, mas tínhamos o diferencial das pessoas, de uma marca de qualidade e de uma gestão humana e atenta aos detalhes.
Nos Amigos do Bem os desafios são muito maiores. Quando iniciamos, não sabíamos como poderíamos realmente mudar a vida das pessoas, fazíamos um trabalho humanitário com o intuito de amenizar o sofrimento do momento e de levar esperança. A vivência, a proximidade com as famílias e o amor nos ajudaram a desenvolver projetos e ações efetivas de transformação.
Sempre falo que não tenho compromisso com o erro. Muitas pessoas acabam não agindo ou dedicando anos a projetos que não saem do papel. Agir com confiança e muito trabalho sempre me levou a alcançar resultados importantes. Acredito que se tivermos um objetivo e propósito legítimos, chegaremos no destino certo. Construir pontes é fundamental e não desistir, jamais!
Nos Amigos do Bem, o nosso compromisso é com a transformação, com as famílias atendidas, voluntários e doadores. Acredito na gestão com muito trabalho, amor e muitos amigos.
Você é um grande exemplo para o mundo executivo, como empresária à frente do seu tempo, como ser humano. Na sua caminhada, quais foram as pessoas que mais te inspiraram e ensinaram?
Minha maior inspiração é a minha mãe, Guiomar de Oliveira Albanesi, que me ensinou a fazer o bem. O bem se ensina e aprendi com seu exemplo de amor ao próximo. Seguindo suas palavras, “Viver não é um simples espaço de tempo entre o nascer e o morrer, é dinamizar a vida com atos de fraternidade”. Assim sigo junto com meus Amigos do Bem, buscando sempre fazer mais e de forma melhor.