Comunicação em tempos de ChatGPT
Assim como o pensamento, a comunicação deve ser exercitada, não automatizada
“Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias.” Era com a sua costumeira ironia que o poeta chileno Pablo Neruda chamava atenção para o árduo trabalho de se comunicar bem – seja por meio da escrita ou da oratória.
Crítico do “dom divino”, ele desmistificou, em vários relatos e obras, o talento como elemento essencial à escrita. No lugar dele, a exigência de dedicação, prática e trabalho contínuo. Segundo o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, comunicar ideias com desenvoltura está mais para uma habilidade que pode ser construída e aperfeiçoada, do que para vocação, que a pessoa tem ou não tem.
Se é a prática que nos leva a desenvolver e aprimorar competências, não seria prudente colocar em perspectiva a automação digital de exercícios importantes para a nossa evolução, como é o caso da comunicação? Cá para nós, sim. Ainda mais diante do frenesi criado pelo ChatGPT e seu crescimento meteórico.
A tecnologia que faltava?
Como um antídoto para bloqueios criativos de comunicação, ele promete organizar, por meio de textos de diversos estilos e formatos, ideias com começo, meio e fim. Tudo em segundos. Desenvolvido pela OpenAI, empresa americana de pesquisa em inteligência artificial, o ChatGPT tem sido usado para redigir apresentações, comunicados, e-mails difíceis, artigos e o que mais estiver na mente confusa do usuário.
Usando a Rede Neural de Transformadores (método que ensina computadores a processarem dados como o cérebro humano), a tecnologia é capaz de entender e processar a linguagem natural, respondendo a perguntas e gerando textos ao gosto do freguês, de uma forma inteligente e humanizada.
Mostrou-se, ainda, uma boa fonte de pesquisas, pois reúne bilhões de textos da internet, incluindo fontes famosas como Wikipédia, Reddit e as redes sociais. Para muitos, a tecnologia que faltava – o que explica ser a plataforma com crescimento mais rápido da história (são mais de 100 milhões de usuários mensais ativos em dois meses, superando o TikTok que levou nove meses para chegar a esse número). É aí que mora o problema.
Pensar é um exercício
A partir do momento que delegamos a um robô determinadas atividades, deixamos de executá-las. Está aí o “efeito Google”, atrelado ao baixo exercício de memorização. De acordo com pesquisa da Universidade de Harvard, nos EUA, o uso constante de ferramentas de busca prejudica a memória ao criar dependência do usuário – já que as informações podem ser acessadas a qualquer instante, não é necessário armazená-las na memória.
Se fossem dados banais, tudo bem – assim o cérebro teria espaço livre para armazenar o que importa. Mas o uso excessivo de buscadores digitais tem prejudicado algo essencial ao desenvolvimento humano: o processo de aprendizado. Essa conclusão é fruto de um estudo realizado pela empresa de segurança digital Kaspersky com 6 mil pessoas em países da União Europeia.
Ao receberem uma questão, 57% dos entrevistados da pesquisa tentaram sugerir uma resposta sozinhos, mas desse percentual 36% acabou usando a internet para elaborar sua resposta. Ao final do estudo, 24% dos entrevistados admitiram esquecer a informação logo após utilizá-la para responder a pergunta. Ou seja, boa parte dos participantes não aprendeu com o que acabou de pesquisar.
O futuro do aprendizado
Assim como o aprendizado, a escrita é um caminho a ser percorrido, com desafios e descobertas. Durante o trajeto, novas informações são apresentadas, surgem soluções para resolver problemas e esse conteúdo é relacionado à bagagem de cada pessoa, criando conexões que se transformam em aprendizados. Não à toa, a escrita é considerada um dos grandes marcos da evolução da humanidade – além de registrar fatos históricos, ela é um exercício de compreensão do mundo.
A ausência desse processo, quando há o uso excessivo da automação, é uma das grandes preocupações, principalmente quando se fala da nova geração de profissionais. É inegável que os jovens que cresceram usando a internet têm uma capacidade enorme de encontrar informações de forma muito rápida. No entanto, essa rapidez está ligada, muitas vezes, à falta de profundidade e à dificuldade de elaborar bons argumentos. Como se sabe, respostas rasas não solucionam problemas.
Se inspire, mas não copie
Longe de tirar o mérito do avanço tecnológico representado pelo ChatGPT – além de ser um marco para a inteligência artificial e processamento de linguagem natural, a ferramenta contribui para inovações em diversas áreas envolvendo atendimento e relacionamento com clientes (uma evolução do chatbot), análise de dados e interações de consumidores, entre outros.
Suas respostas, em grande parte das vezes bem estruturadas, podem servir de inspiração para a construção de argumentos. Ou seja, criar a partir dos resultados que a tecnologia te entrega é uma alternativa que pode enriquecer o seu trabalho – muito diferente de copiar. Como o ChatGPT usa bilhares de fontes e dados de conteúdos existentes, você entregaria uma reprodução de informações da web – ponto que vem gerando muitos questionamentos em torno da segurança e ética com as informações.
É comunicando, do seu jeito, com autenticidade, que você coloca a sua marca pessoal no que produz. Essa é uma característica que conta muito para o futuro de qualquer profissional. Como indicam as pesquisas, se comunicar com empatia permanece como uma das soft skills mais buscadas do mundo. Fundamental para o engajamento, desenvolvimento, geração de confiança, além de evitar uma série de problemas de relacionamento – sobretudo em rotinas que prometem se digitalizar mais a cada dia.