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Aprendendo com Ligia Fascioni

“A multidisciplinaridade não é só um diferencial. É necessária para compreendermos melhor o mundo.”

 

Da engenharia elétrica ao marketing. Da automação industrial à inovação, passando pelo design, fotografia, literatura, liderança e futurismo. Pensar na trajetória de Ligia Fascioni é pensar a diversidade – em seu sentido mais amplo – e tudo que a multiplicidade de repertórios pode agregar à vida pessoal e profissional. Conheça, neste bate-papo, mais sobre a visão (nada menos que provocadora) de mundo da engenheira, escritora e palestrante brasileira radicada em Berlim desde 2011.

Ter uma mentalidade inovadora, preparo técnico e preparo emocional são algumas das habilidades mais demandadas das lideranças – sobretudo em tempos marcados por crises sanitárias, econômicas e políticas. Como uma grande especialista em inovação e desenvolvimento de líderes, você concorda que essas são as principais habilidades para enfrentar períodos turbulentos – seja no momento atual e pensando também no futuro?

Com certeza. A mentalidade inovadora nos leva a rever o que sabemos, a duvidar do que sabemos e a nos abrir para novos repertórios, a expandir nossa visão de mundo para novos pontos de vista. Isso é fundamental para conseguir navegar em momentos de transformação e ir além.

Ligia Fascioni é engenheira, escritora e palestrante brasileira radicada em Berlim desde 2011.

O preparo técnico idem. Eu preciso ter conhecimento para fazer acontecer e preciso saber como organizar esse conhecimento, essa bagagem, esse repertório. Na minha opinião, preparo técnico é saber organizar o que eu sei. Aprendemos diariamente, vivemos experiências, ouvimos, nos emocionamos – o preparo técnico é saber o que fazer com isso. Como eu transformo isso em algo útil, em valor para os outros e para mim. Essa é uma habilidade fundamental.

E tem o preparo emocional, também muito importante. Uma pessoa que é imatura emocionalmente pode colocar tudo a perder. Ela pode estragar relacionamentos, conexões, leva críticas para o lado pessoal, pode desestabilizar o grupo e afastar pessoas importantes da equipe.
Mas não tem ninguém 100% em todas essas habilidades. Somos humanos e temos dificuldades em ter uma mentalidade inovadora. Somos conservadores por construção, e por isso temos que lutar, porque não é algo natural. O preparo técnico também exige muito empenho, assim como o preparo emocional. Às vezes precisamos de ajuda profissional para superar as dificuldades, inclusive as mais sérias como a depressão.

Todos são capazes, mas nem todos têm as mesmas condições. Vivemos em um mundo desigual, algumas pessoas nasceram no lugar certo, na família certa, conseguiram construir uma autoestima necessária. Mesmo assim, sempre vale a pena tentar se aperfeiçoar, já que essas habilidades são fundamentais não só para as lideranças.

Engenharia elétrica, marketing, tecnologia, comunicação, gestão. Essas são algumas das áreas pelas quais você transita com desenvoltura – seja no campo da pesquisa ou na prática profissional. Gostaríamos de saber mais sobre sua história profissional e como essa formação multidisciplinar agrega à sua vida.

O meu pai era mecânico de avião e naquela época (hoje eu tenho 55 anos) isso era o equivalente a trabalhar na SpaceX, na Nasa – aviões não eram tão comuns como hoje. Admirava muito o meu pai e tinha interesse em saber como as coisas funcionavam – e ele tinha paciência de me explicar. Tive muita sorte de ter esse pai. Isso me influenciou a cursar eletrotécnica, no segundo grau, em uma escola técnica federal e engenharia elétrica na graduação – um curso super difícil, enfrentei muito machismo (há 30 anos era bem pior do que hoje), mas faria tudo de novo.

Um parênteses: nessa época me inspirava também em muitas heroínas na televisão, no cinema, na literatura. Mulheres reconhecidas pelo poder e inteligência. Era fã e me espelhei na Mulher Biônica, uma agente secreta, nas Panteras, na Poderosa Isis, na Mulher Maravilha, na Trovão Azul, que era piloto de helicóptero. E é legal que as meninas tenham heroínas assim. Nos estimula a estudar e a sermos lembradas pelo que nós conhecemos.

A engenharia sempre me fascinou, mas não era o suficiente. Trabalhei programando robôs em chão de fábrica, participei do projeto de um drone e em startups, quando ambos nem tinham esses nomes. Nesse período me intrigava o fato de protótipos bem sucedidos não virarem produtos de mercado. Trabalhava com gênios da tecnologia, mas eles não conseguiam fazer a empresa deslanchar, ganhar dinheiro com isso. Como me interessava por outros assuntos fui estudar marketing e um novo mundo se abriu. Até então, toda minha rede de relacionamentos era formada por engenheiros e pessoas de áreas técnicas.

Depois do marketing estudei comunicação e propaganda e tive meu primeiro contato com o design e sua complexidade. Fiz doutorado em gestão do design, área da engenharia de produção. Aprendi muito sobre design, consegui conectar os conhecimentos da engenharia com os recursos da comunicação. Atualmente estudo futurismo, em especial no mundo do trabalho e da educação.

O mundo é interessantíssimo e se eu puder eu vou aprender tudo que tiver direito. Já chamaram isso de falta de foco. Mas muito pelo contrário, se você quer inovar é necessário ter o repertório mais variado possível. Isso gera combinações mais originais. Pessoas que vivem vidas previsíveis, o matemático que só estuda matemática, fará combinações sempre dentro da mesma área.

Os ganhadores do Prêmio Nobel, por exemplo, têm conhecimentos bem distintos. Se interessam por artes, música, por escultura, literatura, história. As pessoas mais brilhantes em qualquer área do conhecimento têm interesse em outras disciplinas. Me espelho muito nessas pessoas, nesse perfil multidisciplinar. O livro “Originals”, de Adam Grant, atesta isso. A multidisciplinaridade não é só um diferencial, é necessária para a nossa vida, para compreendermos melhor o mundo.

Ainda sobre sua trajetória profissional, quais foram seus principais desafios e conquistas? Como mulher, você enfrentou dificuldades na área da engenharia? Se sim, quais conselhos você daria para profissionais que trabalham em ambientes mais masculinizados?

Enfrentei muitos desafios na engenharia por ser mulher, tanto na época de estudante como no meio profissional. Quando entrei na faculdade tinha acabado de completar 18 anos, era a única mulher em uma turma de 50 homens. Tive professores que me “aconselharam”, no primeiro dia de aula, a trancar a disciplina porque eu não iria passar. Escutei todo tipo de absurdo, por exemplo: que a engenharia não era lugar para mim.

Já formada, eu viajava com frequência para instalar robôs em chão de fábrica. Muitas pessoas não me respeitavam, faziam piadinhas, recebia cantadas. Achavam que eu era estagiária e que o técnico que me acompanhava era o engenheiro. Como eram tempos diferentes, eu não me dava conta da gravidade desses comentários. Depois de um tempo entendi que eram situações de assédio moral e posso dizer que sofri muito com assédio em toda a minha história profissional.

Na época, como não tinha consciência de quão grave era essa situação, fingia que não tinha escutado e tocava minha vida. Estudava cada vez mais para ninguém duvidar da minha capacidade.

Para as mulheres que trabalham hoje em ambientes masculinizados, entenda: você tem todo o direito de estar ali. Ser diferente da maioria não dá aos outros o direito de te tratar como inferior. Todos precisam ser respeitados. Outra coisa, estude bastante. A competência não deixa dúvidas. E não adianta se masculinizar, isso não funciona. Nunca seremos iguais aos homens e não precisamos ser. Precisamos que as oportunidades para eles e para nós sejam iguais.

A graça, inclusive, está na diversidade – e as boas lideranças sabem disso. A equipe se torna muito mais rica quando há diferenças, sejam elas de gênero, raça, condição social, idade, pontos de vista. Precisamos lutar contra os estereótipos e fazer valer o nosso espaço. Seja você mulher, LGBTQIA+, negro, profissional acima dos 50 anos ou que tenha alguma deficiência: vamos nos aliar, precisamos nos apoiar e construir alianças para nos fortalecer.

Acompanhando suas redes sociais é possível notar a forte ligação que você tem com a área cultural, sobretudo com a fotografia e a literatura. Como essa conexão com a arte beneficia sua vida profissional e a sua visão de mundo?

A arte é o que nos faz humanos. É o que nos diferencia das máquinas. É a expressão da humanidade. Além de admirar diversas expressões artísticas, sou fascinada pela fotografia, pelo seu poder de congelar uma cena no tempo. Cenas que me fazem reviver momentos, me fazem sentir privilegiada de estar naquele espaço. Sou uma cronista do dia a dia de Berlim, na Alemanha, onde moro, e faço diversos registros da cidade. Gosto de emprestar meu olhar para o outro – é uma maneira de compartilhar esse privilégio.

E a fotografia também tem relação com o meu perfil esteta: beleza para mim é fundamental e útil. Trabalhar em um lugar bonito, por exemplo, é essencial (risos). Mas quero deixar claro que o conceito de belo é relativo. Não tem a ver com riqueza, com marcas, com dinheiro. Tem a ver com estética, que vem do grego “aisthesis”- que se relaciona e afeta os sentidos. Ou seja, tudo que interage com os meus olhos, ouvidos, nariz, tato, paladar é estética.

Já a literatura é uma forma de viajar no tempo e no espaço. Por meio dela podemos ampliar nosso repertório, viver outras vidas, outras histórias, culturas, conhecer maneiras diferentes de pensar. Você pode vestir a pele o corpo de um assassino que você nunca vai ser. Viajar para outro planeta, viver uma época, uma religião que não é sua. Construímos sentimentos, sensações e emoções. Exercitamos a mente e a criatividade de uma forma muito prazerosa.

Pensar em literatura me remete à máxima “pensar fora da caixa”. Mas não existe pensar fora da caixa. A caixa é o nosso repertório. Temos é que ampliar essa caixa. Entrar na mente do personagem, do escritor, é uma maneira de fazer isso. Assim como outras formas de arte ou de atividades como visitar exposições, cozinhar, viajar, serviço voluntário, idiomas, andar pelas ruas. Existem muitas maneiras de ampliar o repertório. Sem ele não tem como ser um bom profissional em nenhuma área. Se eu preciso ter ideias originais eu preciso ter um repertório rico.

Em relação às suas referências, tem alguma personalidade que te inspira atualmente? Gostaria de compartilhar ainda alguma frase, livro, filme ou um outro tipo de trabalho que está sempre em sua memória como inspiração?

Tenho muitas pessoas que me inspiram atualmente, a lista é grande, inclui escritores, neurocientistas, artistas brasileiros e estrangeiros… Inclusive no meu podcast “Minha estante colorida” tenho quase 100 livros resenhados e cito muitos deles. Mas vou destacar um que consegue traduzir boa parte do que eu penso: o escritor israelense Yuval Harari. Ele explica a complexidade do mundo em ideias tão simples, didáticas, fáceis de entender. Toda a questão das narrativas em torno da evolução do ser humano, de como ele se organiza e precisa colaborar para sobreviver. Como chegamos até aqui e como vamos fazer para ir adiante.

Também admiro muito o trabalho do escritor japonês Haruki Murakami. Para além da criatividade, a forma que ele aborda a cultura japonesa é encantadora (e tenho uma atração irresistível para culturas que são diferentes das quais eu conheço).
Costumo ainda pesquisar as referências das pessoas que eu admiro. Em um mundo repleto de informações, é importante fazer uma curadoria do que agrega valor para nós. Tomando sempre o cuidado de não ficar em uma bolha. De tentar, sempre, entender o mundo pelos mais variados pontos de vista.

A ideia da curadoria é saber com quem você se identifica. E não se identificar não quer dizer que é ruim. Entender outros pontos de vista não quer dizer concordar. O mundo é muito grande e complexo, não precisamos gostar de tudo. Mas conseguir ler o mundo com os olhos dos outros, sem julgamentos, é extremante enriquecedor.

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