“Vi um anjo no bloco de mármore e simplesmente fui esculpindo até libertá-lo”
Michelangelo Buonarroti (1475-1564)
*Por Thelma Teixeira
Sempre gostei de nomear alguns dos meus artigos usando a palavra arte. No texto “A arte de trabalhar em equipe”, de 2013, usei a definição: “Arte, do latim, significa talento, saber, habilidade. E perícia em empregar meios para obter os resultados”. Para mim, arte significa o que há de melhor, a excelência ao fazer algo difícil. É interessante pensar que “a arte estabelece uma profunda relação entre o homem e seu mundo. Exprime uma realidade interior, mais intensa e não menos significativa do que a exterior, que captamos através dos sentidos” (Coleção Arte nos Séculos, vol. 1).
E como sabemos, nossos sentidos são mestres na arte de nos enganar. Quando percebemos o mundo, nossas ideias e crenças valem mais do que os nossos sentidos. A arte é a expressão de tudo isso, uma forma do ser humano exprimir seus sentimentos e ideias, de comunicar temores, desejos e esperanças.
Faço, atualmente, um curso de História da Arte e ao estudar o Renascimento (1300-1650) chamou-me a atenção, além das belíssimas obras, o que ocorreu na época no que se refere ao ser humano, ou seja, a sua valorização e também o enaltecimento da natureza, em oposição ao divino e sobrenatural, típico da Idade Média.
Os homens compreenderam que poderiam conhecer o mundo pelo uso da razão e procuraram outros meios para explicar a sua presença na Terra. Isso levou a um grande progresso em vários campos do conhecimento. O termo moderno foi utilizado no Renascimento para se opor às crendices, à subserviência e para valorizar o ser humano. Tanto o pensamento moderno como a arte moderna tiveram o objetivo de romper com a ordem social medieval criando o conceito de sujeito. No Renascimento, fatores de ordem social e econômica contribuíram para uma nova visão de mundo. A arte respira um ar de liberdade e a natureza é o foco das atenções, ensinou-nos a professora Zahira Souki.
Já na antiguidade, os gregos consideravam o homem a criatura mais importante do universo e valorizaram especialmente as ações humanas. Também o conhecimento baseava-se na razão, estando acima da fé em divindades, mas o que ocorreu no Renascimento foi um movimento mais amplo.
Em 1988, Fela Moscovici, escreveu o livro Renascença Organizacional. Ela o apresenta como “uma coletânea de anotações e reflexões sobre o homem, a tecnologia e a vida na organização em nossa época”. Para mim, surgiu como uma obra de arte que permanece com conceitos muitos atuais.
A autora destaca que “o surgimento da teoria quântica, da teoria da relatividade, do princípio da incerteza e outras descobertas mais recentes na física sugerem o delineamento de uma nova revolução científica, de consequências ainda mais transfiguradoras do que a iniciada na Renascença”. E que outros conhecimentos, além dos científicos, como filosofia, religião, intuição, deveriam ser considerados. Chama a atenção para a importância de se ter uma visão holística dos fenômenos organizacionais.
Ao falar da realidade organizacional utiliza os conceitos de luz e sombra onde luz são os aspectos visíveis, aparentes, racionais, como missão, estratégia, recursos, tecnologia, valores declarados, normas explícitas etc. Sombra compreende tudo aquilo que a organização ignora, desvaloriza e tenta minimizar como as emoções, sentimentos, inconsciente coletivo, símbolos, entre outros. Ou seja, ela mostra que um processo diagnóstico e de intervenção nas organizações devem envolver fatos, resultados, conclusões, mas ressalta que somente aspectos objetivos não bastam. É preciso incorporar variáveis psicológicas subjetivas na análise e interpretação da realidade. Envolver ciência e arte. Seu apelo é que precisamos “resgatar o humano”. “Revalorizar o homem é a proposta para uma autêntica Renascença Organizacional”, conclui Moscovici.
É interessante que essa nova renascença do século XX dá ênfase à revalorização do homem, com relevo também na emoção, além da razão e acrescentando outros conhecimentos, não só científicos. Hoje, século XXI, temos conhecimento do Princípio da Incerteza, da Teoria do Caos e da Complexidade; usamos o conceito VUCA, que abarca a volatilidade, incerteza (uncertainty) complexidade e ambiguidade. Falamos da Revolução 4.0; do Design Thinking; e outros mais, porém o ser humano não é valorizado como deveria ser.
Estamos vivendo, nas organizações e na sociedade, um período muito difícil de desalento, desânimo, desesperança (que não preciso explicar, pois todos sabem do que estou falando). Tempos de intolerância e inflexibilidade. O ser humano tem sido desrespeitado, o que vem lhe causando ansiedade, angústia e depressão. Segundo a International Stress Management Association somos o país com níveis mais elevados de estresse do mundo: 42% sendo que a média é 11% e dos mais de 100 milhões de brasileiros 30% sofrem com a síndrome de burnout (esgotamento profissional).
Sabemos que as pessoas são complexas, estão em permanente desenvolvimento. Como disse o poeta Fernando Pessoa “cada um de nós é vários, é muitos, uma prolixidade de si mesmos (…) pensando e sentindo diferentemente.” Acrescento: e todas necessitam ser valorizadas e reconhecidas pelo que são e pelo que almejam ser.
É o momento de pensarmos em um novo renascimento, em uma cultura humanista de valorização do ser humano, no qual as pessoas voltem ao foco, não no discurso, mas de verdade e tenham oportunidade de desenvolver suas habilidades, saberes e talentos e que sejam, acima de tudo, respeitadas.
Utopia? Utopia é definida como “lugar que não existe” civilização ideal, fantástica, imaginária, devaneio, ilusão. Ou não? Utopia também tem o conceito de “situação imaginativa que, remetendo ao que é ideal e priorizando a qualidade de vida, garante uma sociedade mais justa.”
É isso o que almejo. Que a imaginação seja transformada em realidade. E que as pessoas sejam libertadas, como fez Michelangelo com o anjo.
*Thelma M. Teixeira é psicóloga, professora associada da FDC e conselheira da ABRH-MG.