Um problema chamado etarismo: precisamos buscar formas de superar esse preconceito
Velho demais para aprender uma nova atividade e para ocupar uma posição de destaque no mercado de trabalho. Velha para frequentar determinados lugares, praticar atividades físicas, usar um estilo de roupa diferente e até mesmo um novo corte de cabelo. Se você já passou dos 40/50 anos certamente já pensou ou ouviu uma dessas frases. Enquanto a humanidade busca um modelo de juventude inatingível, conceitos assim vão ganhando cada vez mais proporção e promovendo um novo tipo de preconceito na sociedade – o chamado etarismo (ou ageísmo), que consiste em toda forma de estereótipo, intolerância e discriminação contra pessoas da maior idade.
O termo, até então desconhecido por muitos, despertou bastante atenção e entrou nas principais pautas de debates, após o coletivo “Porta dos Fundos” lançar, em janeiro último, uma esquete intitulada “Responsável”, em que uma mãe de 57 anos é ridicularizada na relação com os filhos e a tecnologia. De lá pra cá, o canal tem sido alvo de duras críticas e acusado de ter praticado o preconceito etário.
Uma das personalidades a se engajar na causa foi a palestrante e produtora de conteúdo digital, Cris Guerra, que assim como outras pessoas de 50 anos, se sentiu incomodada com o episódio. Em resposta ao vídeo protagonizado pelo ator Fábio Porchat, Cris gravou em seu Instagram um desabafo: “Porchat, envelhecer não é para os fracos, ainda mais em um país que a palavra soa como um crime. A pessoa faz aniversário e já vai tentando arrumar uma identidade falsa. Não dá pra continuar incentivando esse preconceito. A longevidade, diga-se de passagem, é um dado muito recente da humanidade, as pessoas estão vivendo cada vez mais e a velhice veio para ficar.” As palavras da palestrante viralizaram na internet e tem reunido uma multidão contra o etarismo.
Para Cris Guerra, a desconstrução de todo e qualquer preconceito é uma urgência e uma prioridade. Qualquer causa que envolva a diversidade é importante, não só para quem é incluído. Afinal, todo mundo ganha com um ambiente mais diverso e representativo da vida como ela é. “Lutar contra o etarismo, por exemplo, pode ser advogar em causa própria. Porque o etarismo de hoje espera por nós lá adiante. É uma discriminação da qual não vamos escapar se a vida continuar, obrigatoriamente. A não ser que a gente mude isso. É difícil, não vai ser de uma hora pra outra. Como todas as desconstruções que temos nos esforçado para fazer. Que na verdade são as verdadeiras construções de um mundo que já pede pra existir há bastante tempo. Questão de inteligência, simples assim”, sublinha.
Nos últimos quatro anos, após viver uma intensa experiência com seu pai idoso (já falecido), quem também tem se dedicado ao tema é a jornalista, produtora de conteúdo e ativista da longevidade, Natália Dornellas. Ela está à frente do perfil do Instagram @conversadevo_, que conta histórias do universo dos longevos de 80 a 100 anos, e integra o podcast “As Perennials”, que dá voz a mulheres a partir dos 40 anos, que vivem as dores e as delícias desta fase da vida.
Embora o caminho seja longo, Dornellas se diz otimista em relação à desconstrução do preconceito etário. “No meu trabalho, já consigo perceber que as pessoas estão valorizando mais os seus idosos. Recebo várias abordagens de netos (as) que gostariam de contar as histórias de vida de seus avós. Infelizmente, o etarismo está entranhado na nossa cultura, por isso o nosso papel é de educar e se educar. Em vários momentos, nos vemos tendo preconceito com nós mesmas. Já me peguei várias vezes falando que não aprendería uma determinada atividade por estar velha, isso porque estou no auge dos meus 44 anos. Precisamos nos policiar, mudar de comportamento, atitude e até mesmo de vocabulário.”
A longevidade veio para ficar
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que, em 2030, o número de idosos no país deve ultrapassar o número de crianças. Atualmente, esse quadro representa 14,03% da população, o que equivale a 29,3 milhões de pessoas. A pirâmide etária brasileira vem sofrendo alterações ao longo dos anos, já estamos presenciando sua inversão e a mudança no perfil demográfico. Estimativas levantadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam também que, enquanto a quantidade de idosos vai duplicar no mundo até o ano de 2050, no Brasil, ela quase vai triplicar e poderá ser a sexta população mais idosa do planeta.
Fundador do Orizonti, Instituto Oncomed de Saúde e Longevidade, o médico Amândio Soares Fernandes Júnior, afirma que a expectativa de vida aumentou e, junto com ela, a autonomia e a independência daqueles que fazem parte do grupo de pessoas com mais de 60 anos. Por isso, é preciso entender que nem todo idoso encontra-se em momento de fragilidade física ou mental – principalmente aqueles que cultivaram hábitos saudáveis ao longo dos anos.
Se o envelhecimento populacional é um fato inevitável, fica a pergunta: como combater o etarismo na sociedade e no mercado de trabalho?
Na visão de Cris Guerra, a primeira coisa é falar sobre o tema, como está sendo feito no momento. Ler sobre o assunto, do ponto de vista científico, social, demográfico e geográfico. Entendendo que isso é cuidar de um futuro mais amigável para todos nós, os idosos de hoje e os que serão mais velhos ainda daqui a algum tempo.
Já no mercado de trabalho, ela destaca que vale mostrar como a maturidade pode ser benéfica e propícia para momentos de auge da vida profissional. “As empresas têm preconceitos contra seus colaboradores mais velhos por pura falta de informação. Existem coisas que só o tempo e a experiência trazem. Idade não é um determinante de um conjunto de atitudes. Investir em equipes multigeracionais pode ser uma experiência divertida, rica, colorida, geradora de entusiasmo e alegria. Mas será preciso trabalhar mentes com preconceitos arraigados e – é preciso admitir – quanto mais tempo de vida cultivando um preconceito, mais difícil é desconstruí-lo”, acrescenta a produtora de conteúdo digital.
Guerra pondera ainda que o preconceito em relação aos mais jovens também pode revelar um desconhecimento prévio que é injusto. “Julgar menos capaz uma pessoa mais jovem é etarismo da mesma forma. “Cada pessoa é única e sua idade não determina quem ela é”, salienta.
Na opinião do médico Amândio Soares, para acolher a população longeva, seja na sociedade ou no mercado de trabalho, é essencial a criação de políticas públicas voltadas a esse grupo. Ouvir para reconhecer suas necessidades e adaptar para acolher. “A discussão em torno da longevidade precisa ser, antes de tudo, uma discussão sobre prevenção. O Brasil ainda não é uma nação que se previne e criar o quanto antes uma cultura de prevenção é fundamental. Pensando na economia do país, vale ressaltar que, prevenir fica muito mais barato do que tratar (medicações, procedimentos, cirurgias, internações), completa”.
Respeito à diversidade
Ao longo de quase três décadas de prestação de serviços na área de Executive Search, a Dasein sempre estimulou seus clientes a se interessar por pessoas com capacidade de contribuição, independente delas estarem ou não ajustadas a critérios de baixa relevância como idade, gênero e raça. Exemplo disso, como conta a CEO Adriana Prates, foi a contração de um diretor que hoje está com 75 anos. “Esse foi o profissional com mais idade que apresentamos ao mercado, na época com 67 anos. Maratonista, alto astral e com grande habilidade de liderança, ele já faz parte da organização que o admitiu desde 2013. Acredito que o profissional pode atuar no mercado até o momento que ele tenha condições de contribuir. Esse é o critério mais relevante”, destaca.
Como bons modelos devem e merecem ser compartilhados, Adriana relata ainda que, atualmente, a Dasein atende uma empresa global de grande porte que resolveu abandonar o filtro de idade. “Perceberam que era preciso mudar de comportamento e esse belo movimento tem ocorrido com a contratação de profissionais acima de 60 anos. A colocação não é porque é mais velho, mas sim, porque o indivíduo entrará para somar, mentorar os mais jovens e transferir anos de know how adquirido. Muitas são as vantagens em ter profissionais de mais idade nas empresas, como: vivência, experiência, maturidade, equilíbrio emocional, resiliência para lidar com as pressões e nível de ambição mais reduzido em relação aos cargos elevados. São pessoas que buscam contribuir para que a empresa tenha um clima mais agradável no trabalho.”
Apostando na diversidade, a própria equipe da Dasein é formada hoje por profissionais na faixa dos 20/30 anos e, boa parte, acima de 50 anos. São dois consultores sêniores com mais de 65 anos, sendo que um deles fez doutorado aos 60 e está no auge da carreira como coach e mentor. “Estamos muito abertos a nos ampliar com as intervenções que os mais jovens fazem e somos beneficiados pela sabedoria dos que estão na maior idade. Eu mesma era muito nova quando fundei a empresa e se continuamos a progredir é porque, desde o início, me uni com pessoas mais maduras que souberam me aconselhar e apoiar. Essa aprendizagem foi fundamental para sermos plurais desde nossa fundação. A convivência entre gerações é sempre muito saudável a todos os envolvidos”, explica a CEO.
Segundo Adriana Prates, as organizações precisam despertar para transformar o desafio da longevidade e da diversidade etária em oportunidade. O primeiro passo é ‘quebrar a caixa-preta’ da aposentadoria compulsória seja aos 55, 60 ou 65 anos. Uma vez que essa normatização deixa de existir, é preciso criar critérios adequados e específicos para medir o desempenho dos grupos etários. Afinal, não dá para avaliar a performance de todas as pessoas sob a mesma perspectiva. “Cada grupo tem competências distintas e dignas de atenção pormenorizada. Por que não criar, por exemplo, um setor de recrutamento para a captação de profissionais na faixa de idade a partir dos 50 anos? Empresas preocupadas com os reflexos de suas ações na sociedade têm um nível de aceitação bem mais elevado por todos e, consequentemente, o fortalecimento de sua marca”, reflete.
Sete dicas para encarar o envelhecimento como oportunidade
Adriana Prates, CEO da Dasein e conselheira AESC para as Américas, indica sete atitudes importantes para quem tem mais de 50 anos e deseja ter destaque no mercado de trabalho: