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Inspire-se com Werner Silveira

“Enxergar mais e melhor nos prepara para enxergar além”

Arte como forma de ampliar as percepções, de estimular a concentração ou aguçar a sensibilidade para entender melhor o outro. As conexões entre o mundo artístico e profissional é o fio condutor deste Inspire-se com Werner Silveira, percussionista da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e referência na música erudita brasileira. Há mais de 15 anos ele pesquisa as convergências entre as artes, filosofia, ciência, gestão e educação com o propósito de expandir a nossa visão de mundo. Parte desse trabalho deu origem ao projeto “Degustação Musical – A gente ouve, a gente muda”, coordenado por ele, paralelamente às atividades na Filarmônica. Conheça um pouco mais sobre a história deste grande artista e saiba quais foram as obras e profissionais que o inspiraram.

O ciclo de palestras Degustação Musical aborda temas que transitam entre as artes, ciência, filosofia, educação e gestão. Debater a interseção dessas áreas é uma maneira de despertar um olhar mais crítico e sensível nas pessoas? Por quê?

Sim, mas não só isso. Quando eu tinha 13 anos, me lembro como se fosse hoje, estava no meu quarto, em frente ao espelho do armário, olhando para as minhas mãos quando me questionei: por que eu consigo fazer tudo com essa mão (olhando para a mão direita) e nada com essa (agora olhando pra mão esquerda)? A partir desse dia e desse questionamento eu decidi conquistar minha ambidestria. Na época eu era um atleta dedicado, jogava basquete e já tocava bateria profissionalmente, acreditava que desenvolver habilidades com a mão esquerda me faria um músico melhor e um jogador mais versátil, mas, na verdade, as benesses desse esforço foram muito maiores do que eu poderia imaginar.

Tenho a impressão que eu sempre tive uma abertura nata para a pluralidade, uma facilidade em conectar e dialogar com áreas distintas do pensamento e do sentimento humano, nunca me senti separado ou desconectado da natureza, do meu ecossistema, sempre me senti parte dele.

Me lembro também que foi nessa mesma época, com 13 anos, que o meu irmão mais velho, Maurilo Andreas, me apresentou Guimarães Rosa, estávamos conversando sobre a música A terceira margem do rio, do Caetano Veloso. Ele me disse que na verdade essa canção era um conto do Guimarães Rosa e na mesma hora ele foi pegar o livro Primeiras Estórias.

Fui para o quarto ler e, ao final, tive um acesso de choro, não consegui entender o porquê de tudo aquilo que estava sentindo, como se tivesse sido repentinamente abandonado. Tive que ler de novo o conto, imediatamente, não para entender racionalmente a história, mas para sentir novamente aquela sensação de encontro com o absoluto, com o mistério do mundo, da existência, a sensação precisa da interseção de sentimentos tão díspares como o júbilo e o abandono, ao mesmo tempo. Aquilo foi pra mim uma iniciação, o entendimento não racional, mas completo, do que se tornou futuramente um propósito de vida, transformar positivamente a vida das pessoas, através não só da arte, mas principalmente de conexões profundas entre a arte, a nossa essência e as nossas atividades de interesse.

Como diria Guimarães Rosa, “amanheci”.

Voltando à pergunta (risos), uma compreensão holística da vida, de nós mesmos, uma consciência profunda da nossa conexão com o outro e com o ambiente do qual fazemos parte, nos faz perceber o mundo de um outro jeito, passamos a enxergar o presente de maneira ampla, expandida, e isso nos deixa mais confiantes, seguros e assertivos em nossas ações, nos proporciona uma leitura mais precisa e significativa da contemporaneidade, das belezas e das mazelas do mundo de hoje.

Durante o evento Futurethon, da Fundação Dom Cabral, você citou interessantes conexões entre grandes gênios da arte e temas ligados ao mundo corporativo – Beethoven e liderança; Villa-Lobos e inovação; Shostakovich e resiliência. Como essas relações podem contribuir para o aprendizado dos executivos?

Bom, vou responder falando somente de Beethoven! Acredito que não tenha existido na história da música e das artes pessoa mais humanista que Beethoven (1770 – 1827). Ele foi, possivelmente, a primeira geração a crescer respirando as ideias iluministas, que traziam com grande força uma quebra de paradigma, que tinham uma clara intensão de mudança, de transformação pela crença nas virtudes do homem, da sua libertação dos dogmas opressores da igreja e da nobreza. Beethoven desde muito cedo sabia que sua arte seria capaz de mudar a percepção das pessoas, a maneira com a qual elas sentiam a arte e enxergavam o mundo. Naquele tempo se apreciava a arte simplesmente pelo prazer, encantamento e entretenimento que proporcionava. Sua proposta ia muito além, a de levar cada ouvinte à descoberta de si, a de expor a força de cada sentimento, das dores mais profundas às alegrias mais transbordantes.

No que diz respeito à quebra de paradigmas, acredito que estamos passando por um momento histórico muito parecido. Meu argumento se constrói pelas palavras do físico Fritjof Capra, no livro O Ponto de Mutação: “Estou convicto de que hoje nossa sociedade como um todo encontra-se em uma crise análoga. Podemos ler acerca de suas numerosas manifestações todos os dias nos jornais. Temos taxas elevadas de inflação e desemprego, temos uma crise energética, uma crise na assistência à saúde, poluição e outros desastres ambientais, uma onda de violência e crimes, assim por diante”. A tese básica deste livro é de que tudo isso são facetas diferentes de uma só crise, que é, essencialmente, uma crise de percepção. E mais adiante segue dizendo que “a concepção do universo como uma rede interligada de relações é um dos temas mais recorrentes na física moderna”.

Duzentos e quarenta e sete anos depois do nascimento de Beethoven, vivemos em um momento onde a arte cumpre um papel fundamental na nossa sociedade. Faz surgir uma nova consciência, mostra que, por meio da arte e do contínuo desenvolvimento da nossa sensibilidade, devemos estabelecer uma conexão profunda com nós mesmos, com quem somos e o que podemos realizar. Que devemos, através dos nobres sentimentos que Beethoven exalta, construir individualmente e coletivamente uma sociedade mais justa, mais humana e mais livre. Esse foi o caminho que Beethoven escolheu conscientemente para transformar o seu tempo e que, hoje, mais de dois séculos depois não poderia ser tão atual, presente e necessário.

Compreender a vida de Beethoven e sentir o poder de sua música é uma forma ampla e consistente de aprendizado. Se percebermos e sentirmos, por exemplo, a correlação da vida e da obra de Beethoven com os ensinamentos de Jim Collins sobre os cinco níveis de liderança, em seu livro Good to Great (Empresas Feitas para Vencer), o resultado será um esplendoroso BOOM!!! Aliamos o conhecimento técnico e metodológico à experiência do sentimento, do impulso e do estímulo vital para a ação, para o exercício da prática, do instante, do aqui e agora. A compreensão dos aspectos sobre liderança, por exemplo, passa a ser muito mais completa e visceral.

Ainda no Futurethon, você disse que a arte pode ser transformadora, pois ela ajuda a ampliar o nosso leque de percepções periféricas. É uma maneira de saber mais sobre nós e sobre o outro. Em seu ponto de vista, como a sensibilidade (muitas vezes estimulada pela arte) pode enriquecer o trabalho dos executivos?

Principalmente pela compreensão completa e visceral do todo, como finalizei a resposta anterior. O desenvolvimento das nossas sensibilidades pode acontecer de muitas formas diferentes. No meu caso, o esporte e a arte foram e ainda são fundamentais. Passei anos jogando basquete de segunda a sábado, com um treinador (insano) gritando o tempo todo: “visão periférica! Vocês têm que aprender a ter VISÃO PERIFÉRICA!”. Em última análise, aprendi que a tal visão periférica tem a ver com a nossa relação com a presença, com o momento, costumo dizer nas minhas palestras que minha conexão é “on life” muito mais do que “on line”.

Enxergar mais e melhor nos prepara para enxergar além. Ouvir com mais atenção, perceber as nuances de uma música nos ajuda fundamentalmente a ouvir melhor o outro. E nesse ambiente de desenvolvimento da sensibilidade é onde ocorrem os verdadeiros “insights”, onde recuperamos nosso poder de intuição. Essas experiências são pessoais e não têm um manual, assim como a vida. “Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe, pão ou pães, é questão de opiniões…O sertão está em toda a parte.” (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas).

Tive um professor na faculdade de Música da UFMG (prof. João Gabriel Marques Fonseca, que também é professor na faculdade de Medicina) que dizia que esses grandes gênios, sejam da arte, da física, da filosofia ou qualquer outra área, têm uma espécie de antena parabólica em suas cabeças, captando o que está aí no ar, na presença e que cada qual traduz para o seu ofício e para sua vida essa percepção, os conhecimentos, esses “insights” e inovações.

Eu ainda vou além, não acredito que seja um privilégio dos “grandes gênios”, mas de todos nós, desde que estejamos abertos a compreender “o universo como uma rede interligada de relações”. Talvez o que faça diferença seja o “tamanho” da antena, ou a sua “amplitude de sinal”, mas todos nós podemos aprimorá-la a cada dia, afinal, “há qualquer coisa no ar além dos aviões da Panair…” (Guimarães Rosa, Tutameia)

Você é uma referência para a música erudita brasileira. Gostaríamos de saber quais foram as pessoas (célebres ou não) que influenciaram a construção de sua carreira e por que.

Em primeiro lugar, minha família, cujos ensinamentos e valores me foram depositados pelos gestos e exemplos, pelo afeto e amor, através da convivência, da confiança e da atenção. Aliás, confiança e atenção são, pra mim, os maiores estímulos que uma pessoa pode ter para o desenvolvimento não só do seu trabalho, mas principalmente do seu caráter, da sua humanidade.

O professor Rivadávia Drummond, meu primeiro professor de bateria, que me “pegou pra criar” quando eu tinha 12 anos e me ensinou muito mais do que música. Ele continua sendo uma referência espetacular, um mentor! Acredito que a presença do Riva junto ao meu ambiente familiar resultaram naquele BOOM!!! citado anteriormente.

Ainda nesse período de formação, Magic Johnson (o lendário jogador dos Los Angeles Lakers), John Coltrane (o lendário saxofonista americano) e Guimarães Rosa, sempre, desde quando “amanheci”. Tem uma frase difícil, mas absolutamente relevante que ilustra a importância desses ídolos na minha formação. A frase é de Stanley Keleman, psicólogo e escritor, criador da Psicologia Formativa, no livro Mito e Corpo: “Compreender o mito é tornar-se íntimo da maneira pela qual experienciamos a nossa própria existência”. Nesse caso, devemos ler por “mito” o que seriam as nossas grandes referências ou ídolos, que tentamos sempre imitar e a seguir os passos.

Já na fase adulta, o professor João Gabriel Marques Fonseca, explico: no fim da minha adolescência passei por um momento de angústia, era tão curioso e interessado em tantos assuntos diferentes (música, esporte, literatura, filosofia, física…) que tinha medo de não conseguir fazer nada bem, tinha receio de ser um colecionador de mediocridades dispersas. Quando tive minhas primeiras aulas com o João na Faculdade de Música da UFMG, entendi que poderia fazer algo realmente relevante com todos esses meus interesses dispersos, desde que conseguisse conectá-los com consistência e profundidade.

O projeto de palestras Degustação Musical é o resultado pujante dessa conexão rizomática de conhecimentos e vivencias diversas, que venho construindo há mais de 15 anos.

Maestro Fabio Mechetti. Quando iniciei minhas atividades na Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e comecei a conviver dia a dia com ele, percebi logo nos primeiros concertos que a arte só é realmente transformadora quando é feita com excelência. No meu entendimento, duas condições devem ser atendidas: uma externa e outra interna. A externa é a excelência no fazer artístico; a interna é o nosso estado de silêncio íntimo, para dar à obra de arte a atenção exigida por ela. Sim, se não estamos abertos à apreciação, atentos e entregues, saímos do júbilo da transformação e vamos para o território do entretenimento.

George Leal Jamil. Encontro recente que já se tornou uma amizade. Um homem do mundo da gestão, de cultura invejável, a única pessoa atualmente com a qual eu estabeleço um diálogo verdadeiramente rizomático, que não tem início nem fim, mas se desenvolve multidirecionalmente, difícil explicar, mas funciona, e como!

Começando com família, terminando com família: minha esposa, meus filhos e meus amigos, porque “viver é obrigação sempre imediata” (Guimarães Rosa, Tutameia). É na rotina, no diário, no acaso, é a motivação primeira pra pensar em algum legado, é a certeza de que só existo no coletivo, na relação e na troca.

Ainda sobre suas referências… Compartilhe livros, discos, filmes ou outras obras que o influenciaram ou foram marcantes para a sua vida e conte-nos o porquê dessas escolhas.

O filme 2001 Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, me silencia e me expõe ao mistério da existência assim como a obra de Guimarães Rosa, principalmente os livros Manuelzão e Miguilim, Primeiras Estórias, Grande Sertão: Veredas e Tutameia.

Na mesma linha dos questionamentos do filme 2001, revisito constantemente o Assim Falava Zarathustra, de Nietzsche e a obra musical de Richard Strauss de mesmo nome. Essas três obras-primas formam pra mim uma trilogia.

Depois de ler Mil Platôs, de Deleuze e Guatarri e O Ponto de Mutação, de Fritjof Capra, comecei a perceber que no início da década de 1980 houve uma intensa produção intelectual e científica de áreas diferentes, mas com o mesmo tema, que tratam dessa compreensão do mundo moderno como uma teia de relações plurais e multidirecionais. Deleuze e Guatarri chamam esse fenômeno de Rizoma. Capra introduz na física toda a holística da filosofia Taoista e a relaciona com as descobertas da física quântica e com a sociedade moderna, seguindo a mesma linha conceitual. Já o biólogo Rupert Sheldrake, em seu livro Uma nova Ciência da Vida, batiza suas descobertas de Campos Mórficos, que por sua vez foi objeto de estudo do alemão Bert Hellinger na criação das Constelações Familiares.

Os livros Empresas Feitas para Vencer (Good to Great), de Jim Collins e Fora de Série (Outliers), de Malcolm Gladwell, foram meus objetos de estudo e pesquisa para correlacionar arte e gestão. Leitura ainda em andamento, mas que realmente vale citar é Presença, Propósito Humano e o Campo do Futuro, escrito por quatro grandes autores, dentre eles Peter Senge, autor do icônico A Quinta Disciplina.

Na música, o compositor húngaro György Ligeti compôs vasta obra de música absolutamente rizomática, assim como o arquiteto japonês Tadao Ando, cuja auto-biografia Tadao Ando Arquiteto, é uma lição de liderança, determinação e disciplina, mostrando como modernidade pode andar junto às tradições, revelando através da arquitetura uma contemporaneidade inquestionável sem romper com a identidade cultural, mas agregando, somando e atualizando essa identidade.

Villa-lobos! As obras Choros nº 6, O Uirapurú, Bachianas Brasileiras nº 2 e nº 4. Todas as sinfonias de Beethoven e todas as sinfonias de Dmitri Shostakovich. Nada pra mim é tão preciso para entender o que o povo russo passou no século XX quanto as sinfonias de Shostakovich, elas são um testemunho, um legado histórico inigualável, um tratado sobre resiliência, força de vontade, superação e autoconfiança.

John Coltrane, disco A Love Supreme (o título diz tudo).

Pra encerrar, minha música de cabeceira: La Cathédrale Engloutie, de Debussy, uma peça para piano, interpretada por Claudio Arrau, poderoso como o estado profundo de meditação. Uma obra de arte é inesgotável porque a cada vez que a revisitamos nós estamos diferentes.

Compartilhe um pensamento ou uma frase sempre presente em sua memória.

Gosto de uma citação gravada no “Muro de Diógenes”, em Oenuanda. Conhecido por Diógenes de Oenuanda, ele viveu aproximadamente em 120 d.c. e foi um seguidor e divulgador da filosofia de Epicuro: “Para viver com sabedoria, não basta ler um argumento filosófico uma ou duas vezes. Precisamos ser relembrados constantemente, ou o esquecemos”.

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