Movimento mundial impulsiona atividades artesanais como antídoto para o cansaço digital
Passar o dia todo conectado ao computador e ao celular, para chegar em casa e buscar descanso nas telas. Objeto central do nosso zeitgeist – os dispositivos móveis – estão intimamente ligados ao conjunto de ideias, criações, informações e comportamentos que caracterizam os tempos atuais.
Se é impossível abdicar das telas (seria como negar o “espírito de uma época”) é possível e recomendável colocá-las no centro do debate. Em especial, pelos crescentes efeitos nocivos que têm gerado à saúde física e mental.
Os brasileiros têm passado uma média de 9h30 conectados – o que corresponde a quase 60% do tempo em que estão acordados – e ocupam o primeiro lugar no ranking de dependência digital na América Latina, segundo pesquisa da We Are Social. O tempo gasto diante das telas não se restringe às redes sociais e troca de mensagens, envolve jogos, streaming e compras online.
Do problema à alternativa
Como as telas são frutos do nosso tempo (estamos vivendo esse turbilhão) soubemos, em conta-gotas, sobre seus efeitos colaterais. O próprio Burnout – associado ao fato das pessoas não se desligarem – só foi reconhecido oficialmente como doença em 2022. Nesta esteira, mais problemas vieram à tona, como ansiedade, estresse, e outras síndromes como Fomo e Burnon.
Sentindo na pele essas consequências – mas nada satisfeitos com elas – a Geração Z está virando o jogo e abrindo espaços crescentes para a desconexão. Enquanto boa parte dos millennials se resigna diante da fadiga digital, os nascidos entre 1995 e 2010 lideram um movimento mundial em torno de atividades off-line como pintura, desenho, tricô, jardinagem e outras ações que pedem mão na massa.
No Brasil, o maior expoente desse movimento são os livros de colorir, com destaque para o Bobbie Goods, que ultrapassou 2,5 milhões de exemplares vendidos em 2025, o maior fenômeno editorial do país dos últimos tempos. E o sucesso, é importante ressaltar, está estimulando outras faixas etárias a abrirem espaço para atividades manuais em sua rotina.
Os benefícios de desacelerar
Para citar outro exemplo de hobbies manuais, os benefícios de praticar tricô têm sido estudados por respeitadas universidades mundo afora. Pesquisa recente publicada pelo British Journal of Occupational Therapy mostra que pessoas que cultivam o hábito de tricotar se sentem mais calmas, menos estressadas e mais animadas. A atividade, como mostra o estudo, promove a atenção plena e estimula a criatividade ao proporcionar conforto ao cérebro.
Corroborando a pesquisa, o psicólogo e pesquisador Mark Travers, em artigo para a Forbes americana, destaca que as atividades manuais ajudam a redefinir a noção de produtividade – concluir um trabalho com excelência não envolve pressa ou fazer várias coisas ao mesmo tempo. Segundo ele, o tempo gasto em uma atividade silenciosa que demanda foco e um processo lento tem muito mais significado e qualidade, o que não deixa de ser um aprendizado para os profissionais das mais diversas áreas.
Clareza mental e emoções em equilíbrio
Um número crescente de pesquisas indica que a prática de atividades manuais têm, ainda, efeitos similares para o cérebro como as atividades físicas – como sentimentos de satisfação e felicidade. Ao focar no momento presente, há uma desconexão dos ruídos exacerbados da vida moderna, o que beneficia a leveza mental.
Esse é um dos aspectos terapêuticos desses passatempos, segundo Mark Travers. Eles não são sobre “produzir algo por produzir”, mas sim sobre curtir o processo. Seja cuidando de um jardim ou criando algo à mão, esses hobbies oferecem uma experiência calmante e redutora de estresse que fortalece o bem-estar emocional. Segundo ele, dedicar-se a essas atividades é uma maneira poderosa de criar espaço para o autocuidado e a resiliência, aumentando tanto a clareza mental quanto a estabilidade emocional.
Melhora do raciocínio e da memória
Mais que aplacar o cansaço digital, Travers ressalta também a melhora da saúde cerebral. Enquanto o excesso de estímulos traz danos ao hipocampo – uma estrutura cerebral localizada no interior do lobo temporal, responsável pela formação e consolidação de memórias de curto e longo prazo, aprendizado e navegação espacial – atividades que exigem concentração e criatividade beneficiam o hipocampo.
Ter um hipocampo saudável é favorecer a saúde cognitiva, especialmente as áreas como memória, raciocínio e aprendizado, que beneficiam a tomada de decisões de forma mais consciente e segura e ampliam a capacidade de lidar e resolver problemas.
A importância de saborear o processo
Os ensinamentos trazidos por tarefas manuais, de natureza simples, extrapolam os benefícios à saúde mental e física: dizem muito sobre a forma de viver e olhar o mundo. Ao serem uma espécie de mergulho no processo, nos convidam a ver os detalhes da vida, detalhes tão valiosos, mas que muitas vezes passam despercebidos.
É como caminhar pelas ruas e sentir suas particularidades, suas minúcias, o significado das inúmeras diferenças dos espaços, das pessoas que ali transitam. Levando para a realidade corporativa, são atividades que impulsionam o envolvimento e a presença integral, seja em projetos, metas ou relacionamentos. Essa imersão é um passo importante rumo à satisfação – não só com o trabalho, mas com o que se faz na vida.