“Você não fotografa com a sua máquina. Você fotografa com a sua cultura.” A frase, do fotógrafo Sebastião Salgado, recentemente falecido, ecoou na minha cabeça nos últimos tempos. Ela me levou a pensar não só na carreira icônica do artista, conhecido por sua humanidade, mas no seu olhar como uma bela metáfora sobre a forma que enxergamos a vida. E como esse olhar, estreitamente ligado às nossas heranças, se reflete em nossas ações, em nosso comportamento – afinal, somos fruto de uma bagagem de experiências, de histórias, de crenças. Agimos, no fundo, em sintonia com o que está dentro de nós.
Vem daí os nossos gatilhos emocionais – e cada um deles, a sua maneira, molda a forma que pensamos, agimos e fazemos escolhas. Influencia o jeito que encaramos os desafios, em especial, as mudanças, seja de forma serena e corajosa ou – nos fechando para ela. Pode parecer estranho se fechar para as transformações em um mundo que só fala disso. Mas essa é a realidade de boa parte das pessoas, inclusive, de boa parte dos executivos, como tem constatado pesquisadores da Universidade de Harvard.
Imunidade à mudança
Pensando no importante papel que as transformações têm hoje na vida contemporânea (sejam elas ligadas à tecnologia ou comportamento), os pesquisadores cunharam um novo conceito batizado de “imunidade à mudança”. Combinando teoria e prática, as pesquisas são realizadas em parceria com grandes corporações, como a Microsoft e o Google.
Ao adentrar o ambiente corporativo, o objetivo da pesquisa é “desbloquear” comportamentos inconscientes que impedem a boa relação de executivos com as novidades. Esse desbloqueio acontece por meio de exercícios contínuos que “retreinam” o cérebro, possibilitando que ele trabalhe de formas diferentes todos os dias e vá se expandindo para as novidades de uma maneira mais amistosa.
De fato, retreinar modelos mentais é uma prática não apenas necessária, mas urgente para executivos que desejam permanecer relevantes e eficazes em um mundo cada vez mais complexo. Vejo que esse conceito nos ajuda, ainda, a compreender que resistências não são simplesmente falta de vontade ou rigidez, mas defesas inconscientes baseadas em experiências anteriores, em medos e crenças enraizadas.
O medo, para citar uma das emoções mais sensíveis, é algo humano e natural — especialmente em ambientes de constante mudança como o corporativo. No entanto, em grande parte das vezes ele é ignorado ou reprimido, e se torna um freio silencioso à inovação, ao aprendizado e à evolução das equipes. Reconhecer e trabalhar esse campo emocional, tanto no nível individual quanto coletivo, é uma tarefa essencial.
O primeiro passo é aceitar o medo como legítimo, e não como fraqueza. Ao invés de negá-lo, é importante abrir espaço interno para compreendê-lo: o que exatamente estou temendo? Perda de controle? De relevância? De segurança? Ao nomear o medo, ele perde parte de seu poder. Pensando nas experiências que desenvolvo com empresas brasileiras e estrangeiras, posso comprovar que quando os executivos se dispõem a olhar para suas barreiras internas e a reconfigurar seus modelos mentais, seus medos, eles ganham acesso a novas formas de pensar, de decidir, de liderar. Isso favorece o autoconhecimento e fortalece a confiança para lidar com o novo de forma mais consciente e construtiva.
E os resultados são fantásticos, tanto para a empresa, quanto para a carreira do profissional – já que liderar exige muito mais do que conhecimento técnico ou experiência acumulada. Exige plasticidade cognitiva, confiança, abertura emocional e humildade para desaprender e reaprender continuamente. Isso significa ser capaz de questionar o próprio modo de operar, reconhecer padrões que já não servem mais, e desenvolver novos hábitos mentais influenciando positivamente suas equipes e organizações.
Conflitos iminentes
Trazendo essa reflexão para transformações bastante sensíveis e urgentes, como o crescimento da inteligência artificial e os conflitos geracionais, não vejo outra alternativa além de retreinar nossos modelos mentais, nos abrindo para o novo – pensando sobretudo em executivos 40+. Essa é, sem dúvidas, a melhor maneira de enfrentar esses desafios, filtrando suas melhores oportunidades.
No caso da inteligência artificial, muitos executivos ainda reagem com receio, seja por medo de serem substituídos, seja pela complexidade do tema. Compreensível, mas ao exercitar uma nova postura diante do tema permite que essa tecnologia deixe de ser vista como ameaça e passe a ser percebida como uma aliada. Vejo que executivos que se permitem aprender sobre o assunto – mesmo sem serem especialistas – ganham novas possibilidades de atuação: ampliam sua capacidade analítica, automatizam tarefas repetitivas e tomam decisões mais estratégicas, baseadas em dados.
Falando agora dos conflitos geracionais, em especial da geração Z, faixa etária cercada de estigmas em relação à sua visão de mundo, ao seu jeito de trabalhar. Porque grande parte das pessoas prefere enxergar essa diferença como um problema, e não como algo positivo? Se sabemos que a diversidade de olhares só agrega, porque nesse caso é diferente? Não é, aí que mora a reflexão. Essa, digamos, intolerância às gerações mais novas não é uma novidade. Ela sempre existiu, é inerente ao processo de mudança e evolução. Mas vivenciar essa mudança é algo sempre mais desafiador no calor do momento.
Escolha ver o lado positivo
Escolho enxergar a geração Z de outra forma e convido você a fazer o mesmo: eles trazem um olhar fresco sobre os negócios e explico o porquê. São pessoas que cresceram conectadas, que pensam digitalmente. São ágeis, adaptáveis e altamente sensíveis a temas como diversidade, sustentabilidade e impacto social — pautas que, cada vez mais, influenciam a reputação e o posicionamento das empresas no mercado. Além disso, por sua afinidade com a tecnologia e sua capacidade de questionar o status quo, esses jovens podem ser grandes agentes de inovação, ajudando a identificar ineficiências, propor soluções mais criativas e estimular novas formas de trabalho.
Do ponto de vista do negócio, integrar essas visões é uma forma poderosa de enriquecer a cultura organizacional, acelerar a transformação digital e garantir que a empresa continue relevante para as novas gerações de consumidores e talentos. Quando há espaço para diálogo intergeracional e um ambiente de confiança mútua, a diferença vira força — e não obstáculo. Reconhecer o valor da geração Z e aprender com ela é uma atitude estratégica. Mais do que adaptar os jovens à empresa, é hora de permitir que eles também ajudem a empresa a se adaptar ao futuro.
O verdadeiro perigo
Analisando os riscos das principais mudanças que vivenciamos atualmente, penso que o maior deles está em não querer mudar, em não compreender como a diferença é enriquecedora. Esse é o verdadeiro perigo. Em um mundo que exige inovação, adaptabilidade e visão plural, cercar-se apenas de ideias semelhantes é como andar em círculos em meio a uma realidade que muda em linha reta.
Para as empresas, um dos principais riscos é a estagnação. Ambientes onde prevalece o pensamento homogêneo tendem a repetir fórmulas, evitando o questionamento e a experimentação. Isso mina a inovação, reduz a competitividade e pode fazer com que a organização perca relevância frente a concorrentes mais diversos e abertos à transformação. Além disso, a ausência de vozes distintas pode gerar cegueira estratégica, levando à tomada de decisões limitadas, pouco sensíveis a mudanças sociais, culturais e comportamentais do mercado.
Evitar o diferente é um movimento que limita, isola e enfraquece. Conviver com a diversidade de pensamentos não apenas enriquece as soluções e estratégias, mas também amplia o olhar, fortalece a inteligência coletiva e prepara empresas e pessoas para um futuro que exige, mais do que nunca, abertura e conexão.