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Dasein na Mídia | Entrevista Valor Econômico

Valor Econômico. Por Stela Campos | De São Paulo

Enquanto trabalhava como engenheira de planejamento e custos da Odebrecht Engenharia e Construção, Fernanda Santos, 33 anos, recusou cinco propostas de emprego vindas de headhunters. Na verdade, nem quis escutá-las. Na época, treinava um grupo de sucessores para seu cargo e planejava se candidatar a um posto no exterior na empresa. Ela ingressou  na companhia em 2012. Três anos depois, foi demitida após o grupo imergir em uma série de escândalos de corrupção levantados pela Operação Lava-Jato.

Nos primeiros quatro meses após a demissão, Fernanda, que é carioca e formada em engenharia pela UFRJ, ficou paralisada. “Estava em estado de choque”, lembra. “Fiquei sem chão porque os valores da companhia eram os meus”. Em um segundo momento, começou a disparar currículos para construtoras e se cadastrou em quase todos os sites de busca de emprego do país. Isso aconteceu há 15 meses. Até agora, nada de entrevistas ou propostas de trabalho. “No começo achei que era só por conta da crise, mas agora acho que onde eu trabalhei está me atrapalhando”, diz.

Fernanda não é a única a sentir que o que antes qualificava seu currículo agora pode causar problemas. O grupo Odebrecht é reconhecido pelo mercado como um bom formador de profissionais tanto na área de engenharia como na de gestão, mas após ter sua imagem detonada pelas denúncias de corrupção, seu sobrenome corporativo parece estar complicando mais do que ajudando a vida dos quase 100 mil demitidos nos últimos anos.

O cancelamento de projetos por conta da crise econômica e das denúncias na Operação Lava-Jato fez com que o grupo, que em 2013 tinha 180 mil funcionários, encolhesse para 80 mil. “Tem muita gente qualificada disponível no mercado hoje e a recolocação está difícil, não existe um pré-julgamento”, diz Ricardo Basaglia, diretor-executivo da Michael Page.

Ricardo Donini, 39 anos, no entanto, sentiu na pele a rejeição dos recrutadores dos departamentos de recursos humanos de empresas. Ele desenvolveu boa parte da carreira no grupo Odebrecht. Donini é paulista e formado em contabilidade pela Fecap. Ele começou no grupo em 2010 como analista sênior de controladoria na Odebrecht Realizações Imobiliárias. Em 2014, foi promovido a coordenador de controladoria da Odebrecht Ambiental em Rio das Ostras, no Estado do Rio de Janeiro. Foi dispensado do emprego em julho do ano passado. Desde então, distribuiu mais de mil currículos para empresas de recrutamento e outras companhias. “Em nove meses, consegui apenas quatro entrevistas, duas de headhunters e duas de recrutadores internos de companhias”, conta.

Ele reclama que, nas conversas, os possíveis contratantes pareciam pouco interessados em sua carreira ou habilidades técnicas. “Respondi muitas questões constrangedoras, se eu tinha recebido propina, se eu sabia das coisas. Me senti muito mal. Nunca vi nada, estava muito longe daquilo que apareceu nos jornais”, diz. Desde que saiu da companhia, ele diz que vem sendo bombardeado por perguntas e piadinhas de conhecidos e até amigos. “Você auditava balanços, né?”, conta. “Eles zombam, mas com certa desconfiança.”

Quando ainda estava empregado e começaram a pipocar na imprensa as primeiras denúncias contra a empresa, Donini lembra que, por precisar vestir, literalmente, a camisa com as iniciais do grupo, ouvia comentários desagradáveis até quando ia à padaria. “A imagem coletiva de quem trabalhava na empresa ficou negativa”, diz. Para ele, internamente, a companhia foi cuidadosa e transparente ao reportar o que estava acontecendo por meio de comunicados e e-mail frequentes, mas do lado de fora as pessoas pensavam de outro jeito.

“O cidadão brasileiro está revoltado com toda a situação”, diz o headhunter Rodrigo Forte, sócio da Exec. Ele diz que os profissionais de empresas envolvidas em escândalos vão passar pelo crivo do mercado. O papel do headhunter é diminuir o risco da contratação, e, nesse caso, é necessário redobrar a investigação sobre o candidato. “Infelizmente os honestos pagam o pato.”

“Dizer que não existe dúvida é uma mentira”, afirma Ricardo Basaglia, diretor-executivo da empresa de recrutamento Michael Page. Ele diz que os ex-funcionários da Odebrecht precisam estar preparados para responder perguntas duras. “Para nós, vai interessar o detalhe”, diz. Ele recomenda que, se por acaso o fato de ter trabalhado no grupo não for colocado na mesa durante a entrevista, o próprio candidato deve trazer o assunto à tona. “Não falar pode significar algum preconceito ou uma opinião não adequada.”

Alexsandro de Souza, 35 anos, perdeu o emprego no grupo quando atuava da área de tecnologia e planejamento no consórcio Conest (Odebrecht Engenharia Industrial e OAS), responsável pela construção de oito unidades de refinaria em Abreu e Lima, Pernambuco. Natural da Bahia, ao perder o trabalho, após cinco anos de Odebrecht, ele diz que ficou apreensivo na hora de encarar o mercado e as entrevistas de emprego. “Aos poucos fui vencendo o medo e lembrando os pontos positivos de ter atuado no grupo”, explica. Ele conta que passou por vários treinamentos quando trabalhava no consórcio. “Eu gerenciava uma equipe de 60 pessoas”, diz. Há um ano, Souza conseguiu se recolocar em uma empresa de tecnologia e em janeiro foi até promovido. “O fato de eu ser de TI me ajudou, porque é uma área mais versátil”, diz.

“Os profissionais da Odebrecht, no geral, são ‘top de linha’, fluentes em inglês e muito bem preparados”, diz a headhunter Adriana Prates, presidente da Dasein. Ela acredita que, para as empresas de médio porte, contratar alguém com esse perfil pode ser muito vantajoso em um momento de crise. “Muitas companhias estão fazendo a festa e pagando menos , afirma. Antes, esse tipo de profissional muito qualificado era caro e inacessível. “Para as pequenas empresas, esta é uma oportunidade de transferir know-how”.

Fábio Andrade Cardozo, 40 anos, trabalhou como contador da Odebrecht Realizações e Participações durante quatro anos e três meses. Ele é paulista e se formou na área de contabilidade na Fecap. Cardozo foi desligado do grupo no ano passado e desde então fez quase 60 entrevistas de emprego, depois de enviar mais de 700 currículos. “Todo dia, eu acordava e mandava pelo menos cinco”, conta. No início deste mês, ele afinal conseguiu um trabalho em uma incorporadora. “Minha remuneração diminuiu 20% e vou trabalhar por projeto”, diz. “Mas sei que tive sorte.”

A pressão para se recolocar está em casa, vem da família, dos amigos e dos colegas. É um momento de muito estresse. Para os recrutadores, é inevitável que o tempo para encontrar um novo emprego vai ser maior para quem esteve em uma empresa envolvida em escândalos públicos como a Odebrecht. “A pessoa vai precisar ter muito equilíbrio emocional para enfrentar o desconforto desses processos”, diz Fernando Mantovani, diretor das operações da empresa de recrutamento Robert Half no Brasil.

Quem atuava diretamente em áreas do grupo relacionadas a negócios que envolvem o governo ou compliance vai ter mais dificuldade. “Quanto mais sênior, mais complicado também”, afirma Basaglia, da Michael Page. Ele conta que o número de currículos de profissionais demitidos de construtoras triplicou nos últimos anos, por conta do cancelamento de contratos e denúncias na Operação Lava-Jato. “Chegam currículos até de quem ainda está empregado”, diz. No geral, a Michael Page recebe, em média, três mil currículos por dia. O fato de o setor de infraestrutura estar quase parado atrapalha ainda mais os candidatos. “Os leilões de aeroportos deram um fôlego, mas não é o suficiente para abrigar tantos profissionais desempregados na área.”

A consultora Karin Parodi, sócia-fundadora da Career Center, diz que também tem recebido muitos profissionais demitidos de empresas envolvidas em escândalos que estão em busca de aconselhamento para planejar o futuro. “Acho que o principal conselho é resiliência”, diz. Ela diz que, no caso da Odebrecht, a empresa tem uma cultura forte, independentemente do que aconteceu depois. “O clima era de muito trabalho em equipe, preparação de sucessores e quem estava embaixo não tinha controle sobre os fatos”, diz.

Fernanda era uma que conhecia profundamente o que constituía a Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO), um conjunto de princípios, conceitos e critérios, que, segundo a empresa, “provê os fundamentos éticos, morais e conceituais para a atuação dos integrantes da organização”. Norberto Odebrecht escreveu sete livros de orientações para o grupo. “As pessoas disseminavam os valores, mas não praticavam”, diz a engenheira, referindo-se aos executivos do grupo acusados de corrupção. “Foi muito difícil saber o que acontecia”, diz.

A recomendação de Karin para quem está na situação de Fernanda e de Ricardo é cuidar da autoestima e controlar a ansiedade porque o processo é demorado, principalmente com tanta gente qualificada disponível. “Tem que fugir da depressão e montar um plano para abordar o mercado”. Manter o networking em dia e acionar os contatos. “Muitas indicações vão vir de amigos que conhecem a sua história, que não vão ter dúvidas sobre a sua reputação”. Segundo ela, o profissional vai precisar ser mais flexível e pensar em gerar outras fontes de renda, já que será muito difícil encontrar um emprego formal. “É preciso estar aberto para projetos pontuais, por exemplo.”

Ricardo Donini diz que hoje está buscando trabalhos eventuais como auditor em condomínios residenciais ou como consultor de planejamento financeiro. “A gente sabe que é difícil ser prestador de serviços no Brasil, me preocupo porque tenho filho pequeno”, diz. Mesmo sofrendo com a falta de trabalho e privado das vantagens do mundo corporativo, ele acredita que a Odebrecht vai se recuperar e pagar pelos erros que cometeu. “Eu imaginava que iria me aposentar lá.”

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