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“A gente precisa ter em mente que o verdadeiro crescimento nasce da crise”

Escritora, publicitária, colunista e palestrante. Precursora dos blogs de looks diários no Brasil. Dona de uma história de vida inspiradora. Apesar de tantas apresentações, a mineira Cris Guerra é “irrotulável”. Em 2007 ganhou notoriedade quando decidiu compartilhar, por meio do blog “Para Francisco”, as lembranças de seu marido, que faleceu quando ela ainda estava grávida. A história tomou tamanha proporção que no ano seguinte virou livro e o próximo passo é ir para os cinemas. Nesta entrevista , ela conta um pouco da sua trajetória, fala de oportunidades, igualdade de gênero, dos projetos que vislumbra, além de revelar personalidades que são verdadeiras referências.

Quais habilidades e competências você considera fundamentais para conciliar tantas atividades e ainda obter reconhecimento em todas elas?

Acredito que a principal habilidade seja a disciplina. O problema é se manter disciplinada fora da rotina. A vida de autônoma, em que cabem muito mais possibilidades, é muito atraente, mas também um perigo. Há sempre uma tentação para perder o foco. Quando estou em BH eu trabalho em home office, justamente para poder estar mais perto do Francisco sempre que possível. E nem sempre as coisas estão devidamente separadas. Em alguns momentos a rotina da casa se mistura com a rotina do trabalho. Sem contar que só abrir uma tela do computador, hoje em dia, já é um convite à dispersão. E como me interesso por muitos assuntos ligados à moda e comportamento, isso significa um universo vasto demais. O que costuma me angustiar.

Aí vem outra habilidade importante, que a gente precisa conseguir colocar no trabalho: a entrega. Preciso amar muito o que eu faço para estar inteira em cada momento. Tenho aprendido. Neste momento estou respondendo a esta entrevista e o meu celular está desligado. O celular é hoje o maior inimigo da produtividade. O Whatsapp é ótimo, mas é péssimo. Ali encontramos os amigos que não conseguimos mais ver pessoalmente, e o pessoal se mistura com o profissional o tempo todo. Então a gente não encontra mais os amigos como devia, e nem tem a concentração que tinha antes. É preciso ser disciplinado ou desenvolver mecanismos próprios. Eu prefiro desligar o smartphone em muitos momentos, porque não consigo segurar a curiosidade se ele estiver ligado – sou imediatista, elétrica.
Aprender a atuar em várias frentes é o grande legado da minha história. Ao me tornar mãe do Francisco, passando por um momento de luto, recorri a canais de expressão que acabaram por me mostrar mais habilidades que eu tinha. O exercício da publicidade por 20 anos foi base para desenvolver várias delas. Por isso brinco dizendo que o Francisco é que pariu muitas de mim. Mas, se isso é um diferencial, é também o meu ponto fraco. Eu tenho gula das coisas, dos assuntos, dos trabalhos.

Quando leio um livro, tenho insights o tempo todo e isso me prejudica, pois não consigo nem ler, nem desenvolver as ideias. Mas não sei se um dia conseguirei ser uma coisa só. Acho que já estou contaminada por esse espírito múltiplo. Para ter reconhecimento em todas essas frentes, também é mais difícil. Muita gente conhece o meu trabalho na moda, mas não me conhece como cronista ou colunista de rádio – e vice-versa. É difícil as pessoas terem noção do trabalho todo. Acho que o aprendizado é o da escolha e do fazer uma coisa de cada vez. Conseguir essas duas coisas já é incrível! Ainda estou aprendendo a escolher e focar, para fazer bem cada coisa. Quase sempre que faço um livro, tenho que me isolar uns dias para fazer só isso. A gente pode fazer várias coisas ao mesmo tempo. Mas pra ser excelente em uma delas, a gente precisa abandonar as outras e focar, nem que seja por um tempo.

Em sua palestra “A grande virada” você reflete sobre a importância do fracasso no aprendizado e no crescimento pessoal. Fracassos e crises fazem parte da realidade de empresas e profissionais. Como transformar as adversidades em bons resultados e oportunidades?

Em primeiro lugar, a gente precisa ter em mente que o verdadeiro crescimento nasce da crise. Ninguém cresce do conforto, olhando em volta e dizendo “está tudo muito bom, tudo muito bem, mas eu agora vou crescer mais”. É preciso haver um incômodo. Alguns já estão “treinados” para estar constantemente incomodados, no sentido positivo, sempre buscando mais, mas isso é fruto da prática. O incômodo é um bichinho que diariamente nos inquieta. Se a gente compreende isso, pode ver as crises e fracassos como impulsos para o crescimento.

Sabe a preguiça de domingo ou feriado, em que a gente não tem nada pra fazer? É um descanso necessário, mas ali nada grande será feito. É até um estado que pode incubar muitas coisas boas, mas se essa letargia for permanente, a gente não sai do lugar. Eu adoro as segundas-feiras. Acordo disposta a fazer as coisas que preciso fazer, resolver problemas, ter novas ideias. A vida é uma constante resolução de problemas. Já imaginou não ter as coisas para solucionar, nenhuma demanda? Seria um tédio. São as questões que nos colocam à prova o tempo todo, como equações que precisamos solucionar. E de vez em quando temos questões agudas, doídas, obstáculos que parecem intransponíveis. É nessas horas que descobrimos forças e habilidades que não enxergávamos. Potenciais que já trazemos conosco, mas que ficam em algum lugar escondido, e só acessamos quando não vemos alternativa.

Não existe nada mais mobilizador do que não ter alternativa. Por isso os lutos costumam nos transformar. A morte não é algo a ser solucionado, é um fato – difícil, duríssimo de aceitar, mas imutável, que nos obriga a mudar a nossa forma de ver as coisas (já que as coisas não poderão ser mudadas). Se a vida não muda, a gente é que tem que se flexibilizar diante dela. E isso nos mostra aspectos sobre nós que jamais imaginávamos.

Você criou o primeiro blog de looks diários do Brasil – o “Hoje eu Vou Assim” – numa época em que os blogs ainda estavam engatinhando. Qual a sua relação com o mundo digital hoje e quais ações você considera necessárias para construir uma imagem sólida nas redes sociais?

Eu fiz uso das redes sociais de forma orgânica, sem técnica. Aprendi fazendo. Nada foi planejado e fui aprendendo ao mesmo tempo em que fazia. Faz dez anos que o “Hoje vou assim” surgiu e de lá pra cá as coisas mudaram muito, em proporções às vezes inacreditáveis. As audiências são de seis dígitos, as interações são muitas, mas em níveis diferentes, a troca é desequilibrada. O que vejo é que a antiga veneração por ídolos das revistas, da TV ou do cinema, migrou em grande parte para as redes sociais. Mas a maior parte dos milhões de blogs de moda e comportamento traz mais do mesmo.

Fiz o look do dia por quase seis anos e hoje faço isso com muito menos frequência. Comecei já madura, eu tinha 37 anos – hoje tenho 47. Com a maturidade, as prioridades mudam e não faz mais sentido pra mim posar todo dia com a roupa que escolhi – e eu não consigo me entregar a nada que não seja muito verdadeiro. Hoje uso mais o Instagram e o Facebook como ferramentas principais, e não gero conteúdo com a mesma frequência, porque viajo muito para dar palestras, vou a muitos eventos e também escrevo para revistas e para o rádio.

Mas, infelizmente, o movimento que o meu blog ajudou a impulsionar, que é o da mulher real em busca de sua própria identidade, não em direção a um ideal de perfeição impossível de alcançar, não é o que vejo falando mais alto hoje. Ainda são minoria as pessoas que estão buscando a melhor versão de si mesmas. A grande massa permanece buscando padrões inatingíveis, irreais e com enorme potencial para gerar frustrações. O grande público ainda quer comprar estilos prontos, copiar modelos e fazer mudanças de fora para dentro. Dá mais trabalho trabalhar de dentro para fora, mas é muito mais eficaz e transformador. A roupa, quando usada para reforçar identidade e para nos dar mais liberdade, é uma aliada poderosa. Por outro lado, quando usada para impor padrões, pode ser um inimigo.

No “Hoje Eu Vou Assim” você começou a promover o empoderamento feminino muito antes da expressão surgir. Como mulher, quais os principais desafios que precisou enfrentar para se posicionar no mercado? E quais atitudes você considera essenciais para acelerar a igualdade de gênero, sobretudo no mercado de trabalho e, mais especificamente, na publicidade?

Na publicidade, sempre convivi com muitos homens, mas o meu trabalho começou a amadurecer num ambiente muito feminino, chefiado por mulheres, que é a Lápis Raro. Eu nunca me pegava pensando na questão de gênero porque sempre convivi com mulheres poderosas. Só passei a pensar nisso recentemente. Tive um chefe, na agência em que eu trabalhava quando engravidei e pari o Francisco, que me constrangeu a interromper minha licença-maternidade 45 dias depois do parto. Eu havia perdido o meu marido 2 meses antes de o bebê nascer. Não era só o resguardo e período de amamentação. Era um período para elaborar aquele luto que chegou praticamente junto com o bebê. Voltei, trabalhei 20 dias, e nesse tempo decidi pedir pra voltar pra Lápis Raro, lugar de onde eu tinha saído a fim de não trabalhar mais no mesmo local que o meu namorado (o pai do Francisco).

As diretoras me acolheram, não sem antes me sugerir que eu voltasse para a minha licença. Comecei na Lápis logo depois da licença e pedi demissão na outra agência, mas antes de resolver tudo passei 20 dias trabalhando durante a licença. Minha amamentação foi interrompida – e estava sendo perfeita. Não adianta chorar o leite derramado (ou extinto!), mas é triste demais perceber uma postura dessas de um diretor de empresa. Só recentemente é que me dei conta de que isso não é nada mais que assédio moral e machismo.

A gente cresce acostumada a essa opressão – e só depois se dá conta dela. Ainda estamos dando o primeiro passo: Conscientizar. E o maior inimigo está dentro de nós mesmos, que é a educação machista. Eu custo a detectar os meus pensamentos e atitudes machistas porque passei décadas agindo assim, não havia parâmetro. Ao mesmo tempo, meu chefe pedir para eu voltar ao meu posto de diretora de criação prova que ele precisava de mim. Eu era Diretora de Criação.

Então a primeira consciência necessária é a do nosso valor – isso já nos encoraja para muitas coisas. Mas não é algo simples nem será de um dia para o outro. O que eu penso é que todos os movimentos feministas são fundamentais, mas não será de maneira beligerante que vamos conquistar as coisas. A gente precisa usar a inteligência feminina, a força que mora na delicadeza também. Os homens estão completamente perdidos diante dessa nova mulher e a gente precisa ajudá-los também. Não dá pra pensar em igualdade de direitos, igualdade de gêneros sem pensar no coletivo. Não dá pra pensar que as mulheres ficarão bem em detrimento dos homens. Mas o que eles precisam compreender é que, nesse tempo todo, tudo aconteceu em detrimento de nós, mulheres. Ainda estamos nesse momento, mas se nos postamos contra, de forma agressiva, radical e polarizada, eles terão mais dificuldade para se colocar no nosso lugar. Equilibrar essa balança é um aprendizado, assunto para muitos anos. Mas já ajuda muito falar sobre isso – e tem que ser o tempo todo, não podemos parar.

Você é referência para muitos profissionais nas diversas áreas em que atua. E você, quais são as personalidades que mais te inspiram e por que?

Na moda, minha maior referência é Iris Apfel, uma decoradora novaiorquina que tem 96 anos e não segue padrões. Usa muitas cores, volumes, óculos enormes, misturas. Cabelos brancos, nenhuma plástica. Um show de mulher. A beleza dela vem de dentro. É a minha referência de moda mais acertada, afinal, é pra lá que eu vou. Uma referência cultural, estética e também exemplo de personalidade e forma de pensar a moda e a vida.

Na literatura: Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mário Quintana, Luis Fernando Verissimo, Manoel de Barros. Antônio Prata, Gregório Duvivier, Fabrício Carpinejar, Humberto Werneck, Tati Bernardi. A jornalista Elaine Brum. E existem pessoas que eu sempre acompanho, leio, ouço, vejo e assisto. O radialista Marcos Piangers, a atriz Ingrid Guimarães, Woody Allen, a youtuber Jout Jout, o filósofo Alain de Botton, os humoristas Tata Werneck e Afonso Padilha. Tanta gente…

Poderia compartilhar conosco livros e filmes que foram importantes para sua vida pessoal e profissional? Em linhas gerais, conte-nos um pouco sobre essas referências.

Acho que os livros e filmes que me marcaram me constituem. Falam sobre a importância do amor, do humor e da delicadeza na constituição de um olhar positivo sobre a vida.

“O menino do dedo verde” e a série “Pollyanna” e “Pollyanna Moça” foram muito importantes pra mim. O “jogo do contente” é necessário em vários momentos da vida. Outros livros que me marcaram: “Feliz ano velho”, do Marcelo Rubens Paiva. “Histórias de cronópios e de famas”, de Júlio Cortázar. “Um aprendizado ou o livro dos prazeres”, de Clarice Lispector. “A elegância do ouriço”, de Muriel Barberry.
Filmes são muitos. Sou uma salada de Woody Allen com Almodóvar. E alguns títulos moram no meu coração, como “Cinema Paradiso”, “Eu tu eles”; “O carteiro e o poeta”, “My fair lady”, “As pontes de Madison”, “Segunda-feira ao sol”, “Minha vida sem mim”, “Forrest Gump”, “O feitiço do tempo”, “E se vivêssemos todos juntos”, “Ensaio sobre a Cegueira”, “Cidade de Deus”, “Retratos da Vida”, “Amélie Poulain”, “Um lugar chamado Notting Hil” e “Patterson”.

Sabemos que “Para Francisco” está sendo adaptado para o cinema. Podemos esperar o filme para 2018? Quais são os projetos para o próximo ano?

A gente provavelmente começa a filmar no ano que vem. Ainda estamos em fase final de captação de verba e temos a Débora Falabella no projeto, para fazer o meu papel. Não sei quanto tempo leva entre filmar e lançar um filme, ainda é um mercado novo pra mim. Então este é um projeto para começar em 2018, efetivamente. Mas não sei quando será concluído. Vamos torcer! Em 2018 quero lançar meu livro de crônicas, intensificar o meu trabalho como palestrante, que está se consolidando cada vez mais, e determinados trabalhos. Ainda estou fazendo esse pente fino, que é sempre difícil. Não dá pra fazer tudo e fazer escolhas é o maior sinal de maturidade.

Como os nossos leitores podem começar 2018 com o pé direito?

Minha sugestão é ter uma caixinha onde você possa guardar papéis onde anote, todo dia, um motivo para ser grato. Isso ajuda a visualizar quantas coisas boas a gente tem na vida. Temos um vício muito ruim, de olhar sempre para o que falta, que nos impede de ver tudo o que já temos.

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